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Memória

Um partido antifascista: sobre o 1º congresso do PCP

Passou recentemente o centenário do 1º congresso do PCP, realizado em novembro de 1923.

Afloramos aqui a direção eleita nesse congresso. Da qual fez parte um futuro presidente de A Voz do Operário.

[Da esquerda para a direita] Raul Lavado, Alberto Monteiro, António Rodrigues Graça; Carlos Rates; Francisco Rodrigues Loureiro e José Grácio Ramos

Um coletivo

Dessa direção, é usual falar-se apenas do primeiro dos três secretários-gerais que ela teve: o insólito Carlos Rates, que mais tarde aderiu à ditadura de Salazar. Mas foi uma direção coletiva. Que continuou depois de Rates se afastar, na primavera de 1925. E que concluiu o seu mandato no 2º congresso, na primavera de 1926. Até se reconciliou com o anterior secretário-geral, José de Sousa, da direção que tinha sido eleita na conferência nacional de março de 1923. O qual era um crítico de Rates, desde o início.

Os nomes

No 1º congresso do PCP foram oito os eleitos para a “Comissão Central”: Carlos Rates, com 70 votos; José Grácio Ramos e Francisco Rodrigues Loureiro, ambos com 68 votos; Salvaterra Junior, 67 votos; António Rodrigues Graça, 64 votos, Manuel Martins, 63 votos; Alberto Monteiro, 62 votos; e Raul Lavado, 60 votos.

Deixamos aqui de lado Salvaterra Junior e Manuel Martins. Eram figuras interessantes. O primeiro operário e poeta, o segundo trabalhador rural. Mas não chegaram a participar efetivamente na direção central do PCP. Desde logo pela distância a que viviam de Lisboa: o primeiro no Porto, o outro em Beja.

Deixamos também de lado o sucessor de Rates como secretário-geral: Manuel Ferreira Quartel, pois ele não foi eleito no congresso, sendo cooptado mais tarde.

Sindicalistas

Dos seis dirigentes em foco, a primeira coisa a dizer é que todos eram destacados sindicalistas.

Rates, funcionário público, teve um papel muito ativo entre 1910 e 1914, tendo sido um dos principais fundadores da central sindical «União Operária Nacional», depois designada como «Confederação Geral do Trabalho» – a CGT.

Loureiro tinha liderado o sindicato dos caixeiros de Lisboa e a «Federação Portuguesa dos Empregados no Comércio».

Monteiro era dirigente do sindicato dos operários alfaiates e tinha sido secretário-geral da união de sindicatos de Lisboa.

Lavado era um ex-presidente do sindicato dos sapateiros.

Rodrigues Graça tinha sido dirigente do sindicato dos tipógrafos.

E Grácio Ramos era dirigente do sindicato dos “empregados do Estado”.

Note-se que nem todos eram oriundos do anarquismo.

Loureiro era um ex-republicano, do partido “unionista”; enquanto Monteiro provinha do Partido Socialista.

Antifascistas

Pacheco Pereira afirma que esta direção do PCP “participou em todas as tentativas” de golpe contra os governos da 1ª república, em 1924/25 [Estudos sobre o comunismo, 11/1983, p.15].

Mas isso é falso.

Pelo contrário: até tomou uma posição bem clara, ao lado do governo do partido “democrático”, perante a tentativa de golpe militar “das direitas” em 18 de Abril de 1925.

Nesse dia, o secretário-geral do PCP (ainda era Rates), esteve reunido com o ‘primeiro-ministro’, Vitorino Guimarães. E daí seguiu para um comício operário no Rossio, no qual apelou à resistência dos “revolucionários sociais”, pela “defesa das suas liberdades” [A Capital, 18/04/1925, p.1].

Uma posição que seria reiterada num manifesto conjunto do PCP com a CGT e o antigo PS. E que já vinha dum comício unitário contra “as tentativas que se estão esboçando contra as liberdades públicas”, em 1924.

E continuaria com “sessões de propaganda contra as tentativas fascistas em Portugal”, já em 1926.

Persistentes

Afirma Pacheco Pereira que logo a seguir a 1926 acabou o “papel histórico” desta geração [ibidem].

Mas isso não é verdade.

Raul Lavado? Ainda viria a ser preso político, numa madrugada de insurreição armada contra a ditadura. A 26 de agosto de 1931. E “foi preso por ser comunista, em cujo partido estava filiado fazendo parte de uma célula”, assim diz o “cadastro político nº3418” [Arquivo PIDE/DGS].

Alberto Monteiro? Foi preso na mesma madrugada, com a informação de continuar a ser “um dos comunistas mais em evidência”, segundo o “cadastro político nº2835” [Arquivo PIDE/DGS].

Foram ambos deportados para Timor.

Ao regressar, Lavado retomou a sua ação como dirigente da cooperativa Caixa Económica Operária, onde se manteve ativo enquanto a saúde lhe permitiu. Vindo a falecer em 1954.

Quanto a Monteiro, voltou a ser preso político mais três vezes: em 1934, 1935 e 1937. Na década de 1940, foi presidente da Voz do Operário. E quando faleceu, em 1955, estava na direção da Federação das coletividades e presidia à Caixa Económica Operária.

Rodrigues Loureiro, derradeiro secretário-geral desta direção? Voltou a ser dirigente do PCP, em 1931. Até ser preso político, em 1932.

Ao sair da prisão, regressou logo à vanguarda da corrente sindical do PCP. E ainda presidiu ao sindicato dos caixeiros de Lisboa, antes deste ser encerrado pela ditadura, no final de 1933.

Depois, continuou a ser um dos animadores da cooperativa dos trabalhadores dos Armazéns Grandela. Da qual ainda foi presidente aos 75 anos de idade, em 1957.

Rodrigues Graça? Quando faleceu, em 1958, persistia como uma figura de estatura nacional no movimento cooperativista.

Grácio Ramos? Ainda teve uma intervenção pública de apoio à candidatura presidencial de Norton de Matos, em 1949. E, aos 85 anos de idade, ainda empolgou um encontro cooperativo com comunistas e outros antifascistas de uma nova geração. Já no início da década de 60.

Foi o último a morrer, destes antigos dirigentes eleitos no 1º Congresso do PCP.

Com a óbvia exceção de Rates, tinham todos aderido ao MUD (Movimento de Unidade Democrática), em 1945.

Mas nenhum viu o 25 de Abril…

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