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Ensino

“Qualquer processo de desenvolvimento humano nunca pode atingir o seu máximo potencial se for feito isoladamente.”

O início de cada ano lectivo merece, por parte de todos os trabalhadores d‘A Voz do Operário, uma atenção e dedicação muito especiais. A cada início de ano lectivo há já um imenso trabalho de preparação que foi iniciado mesmo antes de terminar o ano anterior. Desde as avaliações dos percursos feitos, à preparação das transições de muitas crianças, passando pela recepção das novas famílias e organização dos espaços dos diferentes grupos, nunca há um final efectivo, na medida em que os processos e as relações se mantêm e a acção dialéctica que norteia os passos dados não se desliga. Este ano não deverá ser diferente, por isso, de qualquer outro.

Todos os anos os profissionais que se dedicam ao trabalho educativo n’A Voz do Operário devem avaliar o percurso feito nos anos anteriores. Para que essa avaliação possa ser feita da melhor forma, importa olhar para aquilo a que os diferentes grupos se propuseram alcançar, avaliando as conquistas, as estratégias, os insucessos e, acima de tudo, os processos e instrumentos que foram desenvolvidos para servir os seus propósitos, alterando o que for necessário, de forma a que possam servir o grupo de forma mais útil e eficaz.

Dos adultos de cada grupo espera-se uma reflexão que contemple, sempre, uma análise do seu papel enquanto elemento do colectivo a que pertence. Porque, independentemente das condições objectivas em que desenvolvemos o nosso papel, importa ser claro, para todos, que esse papel não está dependente dessas condições. É a forma que este adquire que é, tem de ser, adaptável às circunstâncias e nunca a sua essência. É por isso que se considera absolutamente essencial que os adultos com um papel central na vida das crianças d’A Voz do Operário mantenham, ao longo do seu trajecto, uma relação próxima com instrumentos que permitam uma contínua introspecção.

Um dos princípios que defendemos é o de qualquer processo de desenvolvimento humano nunca poder atingir o seu máximo potencial se for feito isoladamente. É por isso que, parte integrante do processo construtivo que está subjacente a todo o nosso trabalho, passa pela necessidade de construir um património colectivo que, nascendo do contributo de cada um, se materializará num reflexo de todos. Assim, parte integrante do trabalho que desenvolvemos passa pela criação de condições para proporcionar uma discussão colectiva que deve colher, de cada um, uma análise crítica sobre o ponto onde estamos e para onde, como e quando queremos ir. Só assim, já no início do novo ano lectivo, poderemos começar a definir novos objectivos, novas metas, novos sonhos.

É por estas razões que afirmamos que este novo ano lectivo não deixará de ser a continuação do caminho que temos feito. Este ano, tal como no passado, teremos de pensar em como organizar o espaço para um número maior de crianças, relativamente ao final do ano anterior, respeitando as regras e cuidados vigentes. Este ano, tal como no passado, teremos de pensar em como acolher as novas crianças e aquelas que há muito não estão connosco na escola, de acordo com as condições que asseguram o bem-estar e a segurança de todos. Este ano, tal como em todos os outros, temos o dever de estar cada vez mais próximos das famílias, atendendo às condições de vida de cada uma. Teremos também que preparar preventivamente o caminho futuro para trabalhadores, crianças e  famílias, caso as circunstâncias se alterem abruptamente e nos empurrem para momentos de maior isolamento físico.

Este ano, como todos os outros anos, todos os membros de cada comunidade educativa d’A Voz do Operário chegarão com expectativas criadas, muitas incertezas, propostas e ambições. Todas elas serão contempladas na dinâmica da vida de cada grupo, desde a creche ao 2º ciclo. Mais uma vez, aos adultos caberá enquadrar os diferentes contributos, garantindo que as suas preocupações individuais não ficam desligadas ou sejam tratadas paralelamente ao pensamento colectivamente construído. Esse pensamento deverá abarcar todo o percurso feito, toda a experiência adquirida, toda a maturidade acumulada e não apenas as experiências mais recentes.

A maior responsabilidade que os adultos d’A Voz do Operário terão este ano será, eventualmente, a de não se permitirem, nem por um instante, abdicar dos princípios educativos e pedagógicos que estão na génese do Projecto Educativo que, colectivamente, construímos. Os quatro pilares desse documento continuam mais actuais hoje que nunca. Porque, mais do que não abdicar de uma construção colectiva do saber, da relação com o outro, teremos a absoluta necessidade de aprofundar as formas desta construção, independentemente das circunstâncias. Mais do que não abandonar o contínuo pensamento sobre os processos e instrumentos que servirão o desenvolvimento de cada membro de cada comunidade, imperará o dever de analisar os instrumentos culturais ao dispor, que mais se adequam às circunstâncias, independentemente destas. Mais do que dar continuidade, dependeremos de uma relação escola-comunidade ainda mais próxima, mais forte, mais diferenciada e mais aprofundada do que nunca. E, por último, mais do que mencionar o desenvolvimento dos profissionais e das suas práticas educativas, cuidar e dar condições para que estas se materializem, terá de ser parte integrante do dia-a-dia de cada escola.

Talvez alguns dos que nos lêem possam ficar surpresos por este não ser um documento de abertura do ano lectivo centrado na Covid-19. Mas quando nas escolas d’A Voz do Operário defendemos uma outra sociedade e nos dedicamos, ao longo do ano lectivo, a construí-la, o medo, que todo o ser humano razoável sente nos dias que correm, não pode tomar conta do nosso pensamento e acção. A pandemia é e será mais uma variável que terá de estar sempre presente na reflexão acerca de todos os processos que envolvam a saúde e o bem-estar comunitário. Não podemos permitir que seja, nem será, o barómetro da relação entre a criança e o mundo.

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