“(...) nunca é objetivo normalizar ou homogeneizar as pessoas.”

Desde 1974 (ou 75) que o espaço físico da nossa escola é gerido e organizado pel’A Voz do Operário.

Desde essa altura, os professores que aqui trabalham estão ligados ao Movimento da Escola Moderna e organizam o seu trabalho tendo em conta os pressupostos do modelo pedagógico proposto por esta organização sócio-profissional de educadores e professores.

A escola da Ajuda nem sempre teve um número constante de alunos e, durante alguns anos, não havia inscrições suficientes no primeiro ciclo para fazer mais do que duas turmas. Assim, as professoras começaram a organizar uma turma de primeiro e segundo ano e outra de terceiro e quarto, criando dinâmicas de trabalho que não estavam assentes nas idades das crianças mas sim nos seus interesses.

No pré-escolar, a organização das salas era feita de forma heterogénea há já muito tempo e as crianças cresciam e aprendiam de uma forma muito feliz, sem barreiras que os dividissem por idades.

O grupo de docentes, que constantemente aprofunda a sua reflexão sobre o trabalho que é desenvolvido, decidiu organizar os grupos do primeiro ciclo da mesma forma e deixar de dividir as crianças por grupos de idade, formando grupos de crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 10 anos.

Percebemos que a diferença que existe entre as pessoas é de facto a força motriz nos projetos de aprendizagem, alterando assim a forma como organizavam a abordagem de pessoas, em contexto escolar bem como a sua aprendizagem.

Enquanto nas outras escolas e contextos a diferença de idade é considerada um obstáculo para a gestão do currículo, na nossa escola, passou a ser um belo ponto de partida, inegável, nas relações entre as pessoas. Ao contrário da escola da transmissão, baseada no ensino dos saberes, em que a diferença perturba a ação do instrutor que assegura a transposição didática, aqui o currículo integra-se nos projetos de trabalho desenvolvidos por crianças e adultos

Baseamos o nosso trabalho na apropriação do conhecimento, recorrendo à heterogeneidade do grupo. Como tal, nunca é objetivo normalizar ou homogeneizar as pessoas. Não se pretende colocar ninguém de parte devido a variáveis que existam entre as pessoas, seja em termos de idade, história de vida, conhecimento ou de pontos de vista. Diariamente, tentamos cruzar estes elementos com o conhecimento que cada um transporta consigo.

É tudo sobre as diferenças que existem entre nós. Estimulamos o convívio, a explicitação de ideias e a definição de uma plataforma de trabalho na qual não se pretende de submissa e acrítica concordância. Pretendemo-la de diálogo constante, de continuada concordância e discordância.

Não é o nosso intuito criar uma escola pensada na ideia das crianças aprenderem a relação laboral, que consiste em negociar o tempo de trabalho vendido e comprado, como preparação para o mercado de trabalho, como explica Enguita (1998). Este autor lembra-nos existir uma clara relação entre a organização do trabalho industrializado e a organização da instrução escolar, dividido em pacotes de tempo precisos.

O proposto na escola da Ajuda — e em que se baseia o seu trabalho — é que para as pessoas se apoderarem do conhecimento, a organização deve basear-se na produção de obras originais, que partam das curiosidades ou vontades de alguns e que são depois negociadas entre todos, para serem posteriormente comunicadas ao grupo. Sabemos que, entre crianças, nem sempre são necessariamente os mais novos que aprendem com os mais velhos.

O modo de trabalho assenta no paradigma da comunicação. Recorremos à aprendizagem dialogada. Cada pessoa do grupo traz elementos da sua história de vida, da bagagem pessoal, a busca do conhecimento e gera assim aprendizagem.

Pretende-se estimular a apropriação do conhecimento e a produção de olhares originais sobre este mesmo conhecimento. As crianças são convidadas a pensar em conjunto, partindo de pontos de vista diferentes.

Os projetos de aprendizagem são a atividade principal dos grupos.

Com esta organização, todos participam em comunidades diversas em todos os aspetos, pois assim, o acesso ao conhecimento e às ferramentas de comunicação está facilitado. A gestão do tempo é feita em função desses mesmos projetos de aprendizagem

Nas turmas seriadas, pede-se que cada aprendente tenha uma atitude colaborante com a ação do professor. Todo o saber necessário aos alunos é organizado pelo professor, pronto a consumir por cada um. Aqui, pretende-se a cooperação, a construção de obra em conjunto. Queremos fomentar o pensamento crítico, a partilha de ideias, o aprender com o outro, a amizade.

Sabemos, através da investigação que tem sido feita relativa às comunidades de aprendizagem, que a interação com pares ganha com a diferença entre pessoas. Investimos diariamente para criar uma comunidade de autores cooperantes e procuramos impedir a existência de uma classe de operários executantes, colaboradores de um projeto em cuja génese não participaram activamente.

Importa ainda dizer que nós não inventámos nada. Apenas nos queremos distanciar da escola Lassaliana. Não queremos uma escola em que o aprendente é apenas um objeto da ação do docente. Queremos uma escola que forma cidadãos que pensam, que intervêm, que participam ativa e conscientemente no mundo em que vivem.

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