Educação

Rankings escolares

Rankings ou De que tipo de sociedade precisa a escola

Nem tudo está perdido. Temos avançado na discussão. Por crescimento, reflexão ou vergonha, lemos cada vez com menos frequência argumentos que sustentam a construção de rankings de escolas.

“Estamos a criar uma situação em que passamos a valorizar o que está a ser medido?”

Por exemplo, a ideia obscena de que a construção de rankings cumpre um propósito de equidade ao permitir que as famílias, todas as famílias, possam escolher as melhores escolas para os seus filhos. Hoje é claro que a esmagadora maioria dos alunos não pode escolher qualquer escola, mas uns poucos podem escolher qualquer uma. E é claro também que algumas – poucas – escolas podem escolher todos os alunos, assumindo assim o papel de intermediário num sistema de exclusão/privilégio. Outro argumento, com um nível de interesse semelhante ao anterior, afirma que as escolas menos bem posicionadas nos rankings poderiam retirar boas práticas das escolas melhores posicionadas. Hoje sabemos que as práticas profissionais se desenvolvem em contextos específicos. São contextuais e fruto de um trabalho cooperativo entre os diferentes atores educativos. Ainda outro argumento de peso é o de que os rankings escolares são fundamentais para a melhoria dos sistemas educativos. Desde 2001 que as classificações na 1ª e 2ª liga das escolas têm sofrido poucas alterações. Fica então a questão: o que tem melhorado, e para quem, em aproximadamente 20 anos de rankings escolares? Com efeito, na atualidade é cada vez menos compreensível a existência de rankings escolares. Poderíamos continuar com vários argumentos que, na essência, são descabidos. Por isso, avancemos!

A história da escola moderna está intimamente ligada às promessas da construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Nesta estrutura, a escola é geralmente vista como parte da solução, ou seja, como a instituição que irá contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento individual e coletivo, para a prosperidade e bem-estar em sociedade. Fica difícil perceber de que forma é que dividir as escolas entre melhores e piores, em alunos e professores de 1ª e alunos e professores de 2ª poderá contribuir para este propósito.

Depois desta pequena introdução provocatória, propomo-nos, de forma muito resumida, abordar algumas questões que nos parecem fundamentais serem refletidas. Ou, pelo menos, referidas.

Uma primeira questão relaciona-se com a medição, a quantificação e os números. Vivemos em tempos dominados pelas estatísticas como se fossem uma radiografia do que acontece. A sedução dos números tem prevalecido sobre as reflexões complexas acerca das realidades educativas. Os dados utilizados para a construção dos rankings das escolas parecem ser objetivos, irrefutáveis, neutros e facilmente organizáveis em rankings por níveis de desempenho e de aparente qualidade. Porém, sobre variáveis decididas, organizadas e interpretadas em função dos interesses das organizações que as difundem. Parece que nos esquecemos dos fenómenos da reprodução cultural, das diferenças contextuais, das diferentes necessidades, etc. Tudo isto coloca uma pressão implacável sobre as escolas, professores e alunos, contribuindo progressivamente para uma visão cada vez mais míope da qualidade das escolas e dos sistemas educativos, tornando a escola, paulatinamente, parte do problema em vez de parte da solução.

Assim, é fundamental desconstruir a crença de que é inevitável que nem todas as escolas tenham bons resultados e de que é possível expressar a qualidade das escolas baseada em simples medidas quantitativas. Posto de outra forma: os resultados utilizados para a construção dos rankings de escolas traduzem aquilo que enquanto sociedade esperamos da educação? Se por um lado é certo que a escola tem uma responsabilidade inegável no desenvolvimento académico, é aqui que se esgotam as suas responsabilidades e possibilidades?

Associada à questão da medição, surge a questão da comparação entre escolas organizada em tabelas de melhores e piores. Permitam-me a violência. Em 1986, Primo Levi escrevia em Os afogados e os Salvos “porque Auschwitz aconteceu pode voltar a acontecer”. A objetificação de outros seres humanos é uma possibilidade real e como Levi nos relembra, trazemo-la connosco, dentro de nós, em vez de ser o mal que precisamos de manter à distância. É neste contexto que os rankings das escolas, e dos próprios sistemas educativos, parecem veicular a ideia de que algumas escolas e, consequentemente, alguns alunos são melhores do que outros e que aqueles que não têm o mesmo desempenho que os do topo da tabela estão em falta, são menos capazes, estão a ficar para trás e a atrasar a sociedade. Para continuarmos audazes na reflexão: mesmo que tivesse um impacto negativo em certos resultados académicos, ou nos resultados quantitativos de alguns, não deveria a escola ser um local onde os estudantes pudessem conhecer outros estudantes que normalmente não conheceriam nas suas vidas? Não deveriam os projetos interculturais ser contabilizados nos rankings das escolas? Como é que a inclusão é contabilizada nos rankings escolares?

“A grande questão é se estamos a medir o que valorizamos na educação, ou seja, se procuramos monitorizar se a educação está de facto a fazer o que desejamos e esperamos dela ou, como Gert Biesta nos alerta, estamos a criar uma situação em que passamos a valorizar o que está a ser medido?”

Por fim, para terminar o início do nosso diálogo, valorizamos o que medimos ou medimos o que valorizamos? O argumento que temos tentado desenvolver não é um argumento contra a avaliação externa das escolas. No nosso entendimento, esta avaliação é fundamental para a regulação do trabalho que se desenvolve. Contudo, existem questões pertinentes sobre o que se mede, como se mede e para que se mede. A grande questão é se estamos a medir o que valorizamos na educação, ou seja, se procuramos monitorizar se a educação está de facto a fazer o que desejamos e esperamos dela ou, como Gert Biesta nos alerta, estamos a criar uma situação em que passamos a valorizar o que está a ser medido?

Se nos socorrermos de Kant, existe um imperativo categórico de uma escola numa sociedade democrática: educar todas as crianças para que possam ocupar o seu lugar na vida em democracia. Assim, reconhecendo este objetivo universal partilhado, a escola define-se como um espaço público e não como um espaço privado. Por outras palavras, todos somos todas as 635 escolas que aparecem nos rankings de 2022 (mesmo que não ordenadas por terem menos de 62 provas). Será que os rankings escolares promovem a sociedade de que precisamos?

Como Oscar Wild nos diz em Lady Windemere’s Fan, comédia de quatro atos sobre as boas maneiras para viver em Londres: nem tudo o que é de valor pode ou deve ser medido, pois, conhecer o preço de algo é muito diferente de saber o seu valor.

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