Educação

escolas

Aprender a partir de casa em tempos de pandemia

O isolamento físico devido à pandemia do novo coronavírus alterou a vida da maioria das famílias e obrigou a uma mudança radical no dia a dia dos adultos e das crianças. Hoje, os corredores e as salas d’A Voz do Operário estão vazios e é a internet que rompe a distância entre os alunos, os pais e os professores, educadores e auxiliares.

As turma reúnem-se diariamente para estabelecer objetivos de trabalho.

É o caso de Filipe, um dos alunos da pré -escolar do Espaço Educativo da Graça. O pai, Ricardo Noronha, diz que tanto ele como a mãe estão “muito satisfeitos”. A educadora e a auxiliar criaram um grupo no Whatsapp e todos os dias mandam sugestões de atividades e acompanham o Filipe e os pais. “Ontem, tivemos uma reunião no Zoom”, recorda Ricardo enquanto explica que tem também uma filha de nove meses e que nem sempre é fácil gerir os tempos dentro de casa. A companheira trabalha a partir de casa enquanto é o pai que toma conta das crianças. “Seria impossível trabalharmos os dois”. Com a pequena Inês, “há uma série de ritmos a respeitar, comer, dormir, mudar fraldas, etc”, descreve. Sabe que há uma barreira física e que as crianças precisam da proximidade para se concentrarem mas reconhece que há um esforço “digno de louvar” para superar esta distância imposta pela pandemia.

Os professores, educadores e auxiliares são conscientes das limitações e tentam adaptar-se às novas circunstâncias. “Não são tempos para inventar ou inovar. Procuramos encontrar meios que nos permitam fazer aquilo que já fazíamos”, explica Sérgio Gaitas. O diretor pedagógico d’A Voz do Operário na Graça aponta aquela que entende ser a maior limitação neste momento: a equidade. “Queremos chegar a todos de igual forma mas nem todos têm os mesmos recursos. Sobretudo, quando toda a gente em casa precisa de usar os recursos disponíveis”, sublinha. Em tempos de teletrabalho, para muita gente, nem sempre há computadores para todos e os que há nem sempre estão disponíveis.

“Tentamos montar um conjunto de atividades que pudessem ser feitas online, em direto, e a vermo-nos. Para nós, é muito difícil imaginar qualquer tipo de relação educativa sem nos vermos. Ao princípio, estávamos mais virados para um suporte emocional, para ajudar. Agora, tentamos diversificar os contactos e fazemos uma planificação igual às das salas de aula mas em casa”, descreve.

De acordo com o Sérgio Gaitas, na creche, há vários grupos online em que participam as famílias e há uma dinâmica partilhada de uma atividade por dia, com os pais e as educadoras a reunirem online. Já no pré-escolar, são duas as atividades, uma de manhã e outra à tarde com a mesma lógica, onde se incluem as auxiliares. No 1.º ciclo, há uma planificação semanal como a que havia anteriormente e um desafio diário. Os alunos estão, normalmente, duas horas por dia online com os professores. O coordenador pedagógico considera que pese embora os constrangimentos, esta pandemia vai fazer com que adquiram outros conhecimentos e dá o exemplo de projetos de alunos que foram investigar quantas vezes é que este tipo de pandemias aconteceu na história.

Aluno do 2.º ciclo responder ao desafio diário que é colocado pelos professores.

Ivo Serra, diretor pedagógico dos Espaços Educativos da Ajuda e Restelo, refere que há um contacto constante com as famílias para perceber quais são as dificuldades que sentem com o objetivo de as ultrapassar. Professores e educadores reúnem através de videochamada com a psicóloga para articular com as famílias estratégias coletivas para limar arestas neste trabalho diário com as crianças.

Há também um trabalho prévio constante de quem tenta encontrar diferentes formas para contornar os obstáculos. As educadoras pesquisam atividades e desafios, adaptam-se a plataformas como o Whatsapp e o Zoom, procurando corresponder às diferentes áreas do desenvolvimento.

“Tentamos promover atividades que correspondam ao que as pessoas têm em casa”, sublinha Ivo Serra. No 1.º Ciclo, por exemplo, fizeram-se fichas das diferentes disciplinas e há um projeto em casa para as crianças a quem se pede o retorno ao longo do dia. “Os pais servem mais de mediador. Há práticas coletivas que continuam. Usam o Zoom e outras para reunirem o conselho de cooperação com os miúdos a debaterem e a partilharem experiências. Queremos ampliar esta forma para termos mais trabalho cooperado. O grande desafio é manter a interajuda”, descreve.

Até agora, o retorno dos pais tem sido positivo, afirma. “Há o reconhecimento muito grande do papel que nós temos tido para ajudar estas famílias e há simultaneamente a dedicação dos trabalhadores que assumiram a missão de estar em contacto com as famílias de forma quase permanente”, reforça. Para Ivo Serra, há uma necessidade de refletir as diferentes formas de chegar a estas pessoas e considera que importa questionar se estes desafios diários têm impacto em casa. “Para as crianças mais pequenas este desafio é ainda maior”, considera.

Nesse sentido também Vítor Hugo Silva, diretor pedagógico dos Espaços Educativos do Lavradio, Laranjeiro e Baixa da Banheira, entende que é um trabalho desafiante mas produtivo. Nas escolas da Margem Sul, repete-se um cenário em que famílias e educadores se adaptam a uma nova realidade. “Estamos a aprender com isto e a perceber que existe um conjunto de estratégias e ferramentas que não anulam o trabalho presencial mas permitem uma interação interessante”, refere. Mas Vítor Silva vai mais longe e entende que “a relação com os pais nunca mais vai ser mais a mesma”. Neste momento, explica, entram na “sala de aula” de forma constante e há que aproveitar esta presença para o futuro. “As educadoras fazem, inclusive, tutoriais sobre como construir os quadros que temos nos espaços educativos para a avaliação dos próprios alunos. Estamos a capacitar os pais para promover estas dinâmicas em casa. A partir de agora, os pais têm uma visão mais informada e integrada do que se faz nas salas de aula”.

Artigos Relacionados