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Cultura musical n’A Voz do Operário: a professora Francine Benoit

Na história da cultura musical no século XX em Portugal, um importante contributo foi deixado por uma professora d’A Voz do Operário: Francine Benoit.

Nascida em França em 1894, veio para Portugal com uns 12 anos de idade. E aqui se salientou a partir da década de 1920, como compositora, pedagoga e como crítica musical na imprensa, sobretudo no jornal Diário de Lisboa. Isto numa época em que o meio musical português “era dominado por homens” e “as mulheres que faziam música eram associadas a uma prática privada, amadora, que tinha como função essencialmente a distracção” [Helena Lopes Braga (2013), De Francine Benoît e algumas das suas redes de sociabilidade, p.31].

Identificando-se como marxista, Francine Benoit destacou-se também na oposição à ditadura de Salazar. Ao lado de nomes como Maria Lamas, Irene Lisboa e Alice Ogando, esteve entre as primeiras mulheres que, em 1945, deram publicamente o seu apoio ao MUD (Movimento de Unidade Democrática).

Fez parte de duas associações feministas dissolvidas pela ditadura em 1947 e 1952, respectivamente: o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e a Associação Feminina Portuguesa para a Paz.

Depois do 25 de Abril, em 1980, e já com 86 anos de idade, Francine Benoit ainda participou no 1º congresso do MDM (Movimento Democrático de Mulheres), sendo eleita para o seu conselho nacional. Faleceu em 1990.

N’A Voz do Operário

Num pequeno artigo biográfico que sobre ela escreveu, João Cochofel realçou o trabalho que Francine Benoit realizou, a partir de 1950, na direção de um núcleo orfeónico na A Voz do Operário, “nesta popular colectividade realizando um meritório esforço no sentido de elevar o nível musical da massa associativa” [in Tomás Borba/Fernando Lopes Graça (1952), Dicionário de Música, p.174].

Não ficou por aí. Na Voz do Operário, Benoit proferiu também, em 1953, uma conferência sobre “história da música coral”, e dirigiu a partir de 1958, “cursos experimentais de música”, com as professoras Arminda Nunes Correia e Orquídea Quartin (filha do célebre anarco-sindicalista Pinto Quartin). Entre 1954 e 1967, Benoit colaborou esporadicamente no nosso jornal. Tudo isto além de ter sido professora de música no curso comercial que à época funcionava na Voz do Operário.

Não foi uma relação isolada. Francine Benoit dedicou-se a outras instituições ligadas ao movimento operário. Desde logo, na década de 1920, quando colaborou algumas vezes no jornal sindicalista A Batalha; e quando deu aulas na Escola Oficina Nº1, onde trabalhou ao lado de destacados intelectuais anarquistas como Adolfo Lima e César Porto. Foi aliás ela que musicou algumas das peças de teatro que eles escreveram.

Já numa fase final da Universidade Popular Portuguesa, na década de 1940, Francine Benoit deu um bom contributo para a sua dinamização, organizando um ciclo de sessões musicais comentadas sobre “A música, suas modalidades e a sua história”.

“Um pouco como a minha casa”

Mas com A Voz do Operário, Francine Benoit teve uma relação especial. Aqui escreveu ela, em 1963:

“Considero a Voz do Operário um pouco como a minha casa. De longa data, olhava para as suas altíssimas paredes, rasgadas de grandes janelas, atraída pelo denso conteúdo da sua divisa. Por isso senti-me honrada ao ser convidada para tomar a responsabilidade duma renovada tentativa de criar um grande grupo orfeónico, vai já para catorze anos. Pus nessa forma de cultura musical e de alargamento de relações sociais o melhor do meu esforço e tive auxiliares devotados; mas não vencemos a batalha. Entretanto, eu tinha entrado no quadro do corpo docente da secção feminina do Curso Comercial da benemérita instituição. E sempre no meu lema de contribuir para a expansão do que há de mais válido na arte dos sons, fundei na nossa sede uns Cursos Experimentais de música. Mas tive de reconhecer que as despesas que o empreendimento acarretava, para que a verdadeira finalidade dos referidos cursos não fosse sofismada, era incompatível com os recursos duma entidade não largamente subvencionada.

[…]

O facto dos Serviços Administrativos de A Voz do Operário terem continuado sempre a utilizar os meus préstimos é uma das razões básicas do lugar que venho hoje ocupar nas colunas do número comemorativo do jornal A Voz do Operário, pelo seu 84º aniversário [1963]. As outras razões, já acima indicadas por alto, são o ensejo que me é dado de afirmar publicamente a minha integração radicada em tudo o que é tentativa de verdadeira educação do povo, verdadeiro esclarecimento dos trabalhadores – entre os quais me conto – e expansão do gosto pela música“. [A Voz do Operário, 01/10/1963, p.3].

Mulheres na história

Na história do jornal A Voz do Operário, há um importante contributo feminino ao longo de gerações, que já vem desde a década de 1880, quando Angelina Vidal foi redatora.

Mais recentemente, já depois do 25 de Abril, este jornal teve duas directoras, Zulmira Ramos e Estela Rocha, e duas redatoras, Glória Silva e Ana Goulart.

A colaboração de Francine Benoit faz parte desse contributo de mulheres. Aqui, n’A Voz do Operário, e também na revista Seara Nova – que este mês celebra o seu centenário.

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