Voz

Memória

João Black, poeta e fadista operário, autor do hino do jornal A Batalha

No primeiro quartel do século XX floresceu em Lisboa o fado operário como canção de intervenção. Expressou sentimentos de revolta contra a miséria e a desigualdade social. Almejou por revolução e uma sociedade mais justa.

Entre os seus nomes mais marcantes esteve João Salustiano Monteiro, mais conhecido como João Black. Nascido em Almada em 1872, radicou-se em Lisboa, onde faleceu em 1955. Chegou a ser apontado como “o mais primoroso de todos os poetas e de todos os cantadores do seu tempo” [Canção Nacional, 17 de Dezembro de 1927, pág.1].

Num tempo em que, segundo o “historiógrafo” César Nogueira, esta canção “se cantava por cultura e espírito de animar reuniões ou de prestar auxílio fraterno e não era cantada em recintos reservados e luxuosos, onde se paga um tanto por cabeça”. João Black “cultivou o fado, esse antigo fado do povo, mas na poesia lírica é que mais sobressaiu, defendendo as vítimas das injustiças sociais” [República, 16 de Dezembro de 1960, pág.9].

João Black foi um homem especialmente ligado à A Voz do Operário. Aqui estudou. E aqui trabalhou muitos anos, primeiro como tipógrafo, mais tarde como bibliotecário e administrativo. Isto para além de ter colaborado neste jornal ao longo de quase meio século.

Dedicou-se ainda a várias organizações próprias que os funcionários da A Voz do Operário já tiveram: desde uma associação mutualista a uma cooperativa de consumo, passando pelo efémero Sindicato do Pessoal da Sociedade A Voz do Operário, fundado meses antes da ditadura de Salazar decretar a dissolução forçada dos sindicatos livres, em 1933.

Black escreveu vários poemas de homenagem à A Voz do Operário. Um deles é a quadra que está gravada em painel de azulejo numa parede do refeitório escolar desta sociedade.

“De tendência socialista”, João Black “deixava transparecer, em tudo quanto escrevia, as suas preocupações tanto de carácter social como educativo”, recordaria um sindicalista seu contemporâneo [Alexandre Vieira (1959), Figuras gradas do movimento social português, p.12].

Mas Black não se ficou apenas pelo que escreveu e cantou. Salientou-se também pela sua acção no movimento sindical ainda durante a monarquia. Em 1906 foi eleito dirigente da Associação de Classe dos Compositores Tipográficos.

Pela mesma altura, dedicou-se ao associativismo popular, sendo presidente da direção de uma colectividade de Alfama, a “Sociedade Boa União”.

Em 1914, já sob a 1ª República, foi um dos fundadores e primeiros dirigentes da central sindical União Operária Nacional, depois denominada Confederação Geral do Trabalho (CGT).

A nível político, Black tornou-se militante do antigo Partido Socialista Português, chegando a ser membro suplente do seu conselho central. E por este partido foi autarca entre 1913 e 1917. Integrou então a Junta de Freguesia de S. Engrácia, Lisboa (hoje englobada na freguesia de S. Vicente). As autarquias tinham meios muito mais limitados do que hoje, mas ainda assim Black conseguiu desenvolver um serviço de acção social com uma cantina escolar para 40 crianças, às quais também era fornecido vestuário.

Nas últimas eleições autárquicas da 1ª República, no outono de 1925, João Black voltou a ser candidato na freguesia de S. Engrácia, dessa vez como suplente numa lista do “Bloco da Esquerda Social” – dinamizado pelo jovem Partido Comunista Português.

Um dos poemas mais importantes na história do movimento operário em Portugal é a letra do “hino do jornal A Batalha”, de 1919. O seu autor foi João Black:

“Surgindo vem ao longe a nova aurora,

Que os povos há de unir e libertar,

– Desperta, rude escravo, sem demora,

Não leves toda a vida a meditar.

Destrói as cruas leis da sujeição.

E quebra as vis algemas patronais.

O mundo vai ter nova rotação,

Os homens vão ser todos iguais.

É justo aos parasitas dar batalha,

A terra só pertence a quem trabalha” […]

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