É unânime que os pais desejam o sucesso e felicidade dos filhos. Embora nem tudo possa ser controlado, há decisões na “gestão” parental que poderão ser facilitadoras ou barreiras na vida educativa mas também no bem-estar psicológico e na construção da personalidade. Decidir sobre o ingresso no 1º ciclo quando a criança é “condicional” merece a nossa atenção.
Ser “condicional” significa que a criança faz 6 anos no período compreendido entre 16 de setembro e 31 de dezembro e, portanto, poderá entrar no 1º ciclo ainda com 5 anos ou tendo feito os 6 recentemente. Se tiver vaga depois de todas as crianças, cuja matrícula é obrigatória e ou prioritária, poderá matricular-se. (Ponto 6 e 7, Artigo 5, Despacho normativo 6/2018). Isto significa que a criança vê a sua entrada condicionada à vaga de matrícula. No entanto, a decisão de ir ou ficar no pré-escolar, não deve depender apenas de questões legais. Enquanto pais e educadores, devemos tomar em consideração fatores contextuais e desenvolvimentais que nos podem ajudar a compreender se a criança estará “preparada”. Não conseguindo prever o futuro, podemos no entanto, antecipar e prevenir.
Ter sucesso e sentir-se bem sucedido, no 1º ano do 1º ciclo, é um bom preditor para os anos futuros, dizem os manuais sobre a motivação para a aprendizagem. No nosso entender, “pré-requisitos” como conhecer/dizer o alfabeto, saber contar até determinado número e ler/escrever algumas palavras não significa que se vai adaptar bem à entrada no 1º ano. Em nosso entender este conjunto de conhecimentos não são suficientes. É importante refletir sobre o desenvolvimento da criança e sobre o seu “estar” no contexto como, por exemplo, saber esperar pela sua vez, seguir regras de vida, tolerar a frustração, ter interesse em aprender, entre outros indicadores que também devem ser considerados. Alguns pais e educadores partilham que pensam que ao entrar com 5 anos o filho “vai aprender mais cedo”, “vai crescer mais rápido”.
No entanto, muitas vezes as exigências são muito superiores ao limite das crianças, levando a que se sintam incapazes quer de aprender, quer de se comportar da forma que esperam dela, podendo criar-se um problema maior do ponto de vista psicológico e emocional. Entre os 5 e os 6 anos, segundo Erik Ericksson, a criança preocupa-se que as suas ações sejam aceites e, na sua forma de ver o mundo, considera-se boa ou má consoante é aceite ou não. Este pensamento funciona como um espelho em que a imagem nele refletida é, em grande parte, aquela que interioriza, refletindo-se na observação que faz de si, das suas ações, dos seus conhecimentos e das suas capacidades. Se a criança se vê como trabalhadora e capaz, sente-se competente e, por isso, confiante para ser autónoma e tomar a iniciativa de resolver os desafios com que se depara. Por outro lado, se desacreditar de si vai ter menos vontade de arriscar, de se implicar nas tarefas e de resolver problemas que a desafiam. É por isso importante que ao entrarem no 1º ciclo, as crianças tenham experienciado e experienciem a autonomia e segurança para que possam sentir-se capazes de arriscar. Então e se ainda não têm interesse ou não estão neurologicamente preparados? Não basta sentir-se segura e confiante.
No que respeita ao desenvolvimento das estruturas cerebrais, existem fases de grande evolução (os “pulos”, na gíria educativa) e outras de “amadurecimento”. Nas de “amadurecimento” integram-se as evoluções anteriormente adquiridas. Estas, são tão importantes como os picos de evolução pois estes momentos intermédios servem para consolidar aquilo que foi ganho durante essa “evolução abrupta”, não sendo propício a novas aquisições.
Quando falamos de aprendizagem em contexto de sala de aula, em que as crianças avaliam-se e reconhecem-se comparando-se com os seus pares, preocupa-nos que possamos estar a sujeitar as crianças, que não estão ainda preparadas, criem uma crença errónea sobre si, afinal, as próprias crianças não têm a noção de que a diferença de quase 12 meses que algumas têm dos seus colegas de turma pode ter influência nas capacidades que uns apresentam e que outros ainda têm dificuldade.
De facto algumas crianças conseguem adaptar-se a estas exigências, no entanto, para outras a exigência é maior do que o suportável e por isso acabam por se sentir incapazes. É comum ver estas crianças desmotivadas e envergonhadas mas a literatura indica também posteriores diagnósticos de dificuldades de aprendizagem e de hiperatividade e défice de atenção em crianças que entraram precocemente na escola.
É claro que também não é assim tão linear mas importa conhecer os riscos para poder decidir em consciência. Na dúvida, converse com a escola e peça ajuda para tomar esta decisão e lembre-se que a decisão de antecipar o futuro não é compatível com o regresso passado.
Voz
Ensino