Aqui se realizaram depois mais três sessões: no dia 12 de Janeiro, uma sessão de jovens (presidida por um dirigente do MUD Juvenil, Mário Soares); no dia 24, uma sessão a nível distrital (presidida pelo diretor da revista Seara Nova, Luis Câmara Reis); e por fim no dia 28, uma sessão promovida por mulheres (presidida pelo fundador da Universidade Popular Portuguesa, o professor Ferreira de Macedo).
I
Foi uma campanha verdadeira numas eleições falsas.
Depois da derrota dos regimes fascistas de Hitler e Mussolini em 1945, na 2ª Guerra Mundial, a estratégia de sobrevivência da ditadura de Salazar incluiu a encenação periódica de eleições que eram falsificadas a todos os níveis, desde o recenseamento eleitoral à liberdade de fazer campanha e à contagem de votos. Mas durante algumas semanas a censura e a repressão abrandavam, e a oposição aproveitava para se expressar. Neste contexto, foram importantes momentos de resistência e de unidade antifascista em Portugal. Em 1958, foi de tal forma evidente o apoio popular aglutinado em torno da candidatura do general Humberto Delgado, que Salazar decidiu acabar com eleições presidenciais. E Delgado acabou assassinado pela PIDE alguns anos depois.
II
Uma das novidades da campanha de Norton de Matos foi o protagonismo de mulheres que nela se expressou. Significativo, apesar de marcado pela desigualdade social, pois não foi coisa de operárias, camponesas ou simples domésticas – como eram a maioria das mulheres portuguesas de então. Foi um protagonismo oriundo sobretudo da pequeníssima minoria de mulheres que neste país já tinha tido acesso a estudar numa universidade. Figuras intelectuais como a escritora Maria Lamas e a médica Cesina Bermudes em Lisboa, a engenheira Virgínia Moura no Porto e a farmacêutica Sofia Pomba Guerra em Lourenço Marques (Moçambique). Quatro mulheres que pagaram cara a sua coragem, pois no espaço de um ano todas elas foram presas pela PIDE.
Um discurso particularmente interessante que então se ouviu na Voz do Operário foi proferido por Palmira Tito de Morais. Falou de democracia como um “sistema político que postula a igualdade de direitos dos cidadãos” e a “participação efetiva de toda a população trabalhadora”. Especificamente sobre a condição feminina, disse que “a nós mulheres, o fascismo lançou-nos como marco orientador a célebre fórmula hitleriana de «kinder, kuche und kirche” (ter filhos, cozinhar e ir à igreja)”. Mas ao mesmo tempo, jovens com menos de 20 anos eram matriculadas como prostitutas.
Além desta hipocrisia, Palmira apontou o dedo à desigualdade social e de género que atingia as mulheres da classe trabalhadora: “quanto à remuneração do trabalho, nós vemos que a mulher tem sido sempre quem mais sofre, o seu trabalho é pago tomando como base o princípio de que tudo quanto ganha é para os seus alfinetes e que será sempre dependente, para a sua manutenção, do salário do marido ou do pai. Varrem-se assim da existência […] as mulheres solteiras e viúvas. Ora como o sistema económico em que vivemos leva o homem trabalhador à situação de escravo, a mulher torna-se assim a escrava do escravo”. [República, 12/01/1949, p.3]
III
Outra voz que nesta casa se ouviu, na campanha presidencial de 1949, foi a de um jovem operário chamado Oscar Reis. Falou que “os jovens trabalhadores desejam possuir um ofício, receber um salário compatível com o seu trabalho e necessidades, acesso à instrução e à cultura, e aspiram ainda a viver uma vida mais digna, mais alegre e mais feliz”. Mas além da falta de liberdade geral, a ditadura cortava-lhes particularmente as possibilidades de defenderem os seus direitos e aspirações. Denunciava este orador que os jovens operários de 18 anos não eram admitidos nos sindicatos e que os camponeses, “em piores condições de vida”, nem sindicatos possuíam. [República, 13/01/1949 p.4].
Estava a referir-se não aos antigos sindicatos livres dissolvidos pela ditadura em 1934, mas aos sindicatos tutelados depois permitidos.
IV
Na campanha de Norton de Matos ainda marcaram presença alguns elementos da velha guarda do movimento operário anterior à ditadura. Na mesa de uma sessão realizada na Cooperativa do Povo Portuense esteve o velho operário socialista João Maravilhas Pereira, já com uns 80 anos de idade. E noutra sessão discursou ali o operário José da Silva, que havia sido dirigente do Partido Comunista Português ainda no tempo da 1ª República.
Já n’A Voz do Operário foi certamente curioso ouvir um dos mais importantes intelectuais anarquistas portugueses, o velho João Campos Lima, que se tinha destacado nas grandes lutas estudantis que ocorreram em Coimbra ainda no reinado de D. Carlos.
Disse ele que era “alheio por princípio às pugnas eleitorais” mas que não podia deixar de comparecer naquele momento. Defendeu que, embora fosse “racionada como o azeite e a manteiga” e outros géneros que na altura estavam racionados em Portugal, era preciso aproveitar aquela relativa liberdade momentânea para “levar avante a realização dos ideais progressivos da Democracia”. [República, 25/01/1949, p.5]