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A importância do espaço exterior em tempos de pandemia

Depois de alguns meses em casa, o regresso à escola fez-se com todos os cuidados recomendados pela DGS de forma a manter toda a comunidade escolar em segurança. O desafio maior seria manter a nossa identidade e projeto educativo sem colocar em causa a segurança de todos e a confiança que as famílias têm em nós. Por todo o lado víamos medidas adoptadas que constrangiam os processos de socialização e de aprendizagem e as recomendações diziam-nos para usufruirmos mais do espaço exterior.

As Orientações Curriculares para o Pré-Escolar referem também o espaço exterior como uma mais-valia para atividades da iniciativa da criança, pois possibilitam-lhes oportunidades de desenvolver diversas formas de interação social e de contato e exploração de diversos materiais. 

Mas ir à rua, para muitas crianças e famílias, ia acontecer pela primeira vez ao final de muitos meses e, para muitos de nós, este desconfinamento, depois de tanto tempo em casa, era pautado pelo medo e pela insegurança. Seria possível fazer visitas de estudo, visitar museus e ir ao teatro? 

Entendemos a escola como um espaço privilegiado e promotor de construção social e é na partilha que consideramos que as crianças (e os adultos) se desenvolvem e se constroem enquanto cidadãos. A escola, como dizia David Rodrigues, no ciclo de conferências promovido pelo Museu do Aljube “Cidadania porque sim!”, não substitui a família mas esta também não substitui a escola enquanto espaço de socialização e de construção da cidadania. É a escola o espaço que nos coloca em contacto com o outro, além de nós e da nossa família e o espaço capaz, se o quiser, de promover a equidade entre todos.

Somos seres sociais, gregários e de contacto. Se os adultos podem, racionalmente, tentar manter o distanciamento físico, deixar os abraços e procurar outras formas de se expressar, para as crianças este distanciamento é difícil, quase impossível de manter. Como expressar afetos? Como aprender a partilhar? Como desenvolver a empatia e compreender as emoções do outro? 

O exterior como espaço para crescer na relação consigo, com o outro e com o meio natural e social envolvente 

Um estudo promovido pela National Trust de 2018, sugere que a maioria das crianças passa metade do tempo que os seus pais passavam em atividades ao ar livre. Os motivos que levam a tal são de ordem política como a falta de tempo dos pais, mas também cultural, como o receio que as crianças adoeçam ou se magoem.

A maioria das nossas crianças passam a maior parte do tempo dentro de um apartamento, sem espaço livre para saltar, correr e desafiar o seu corpo. Conhecer os seus limites físicos e dominar competências motoras é fundamental para o seu crescimento físico e psicológico (emocional e cognitivo). 

Brincar no exterior de uma sala de aula, de uma casa, permite à criança desenvolver a motricidade, a coordenação, o equilíbrio e repor os níveis de vitamina D, tão necessário para o bom desenvolvimento ósseo. A nível psicológico (emocional e cognitivo), promove o bem-estar psicológico, a gestão de stress e da ansiedade, a redução da fadiga emocional. Em particular, quando brincar no exterior se caracteriza por brincar na natureza, falamos também de aprender a observar e contemplar o espaço que a rodeia, refletir e questionar-se sobre ele, aprendendo sobre os elementos naturais e os seus arredores, sobre o clima, sobre a mudança das estações e os diferentes animais que vivem lá fora, aprender sobre quem somos neste ecossistema e qual a nossa pegada ecológica, pois ao contactar com a natureza a criança confronta-se com questões que lhe seriam vedadas se confinada a uma sala. 

Mas brincar na rua traz também possibilidade de promover a sua criatividade, a capacidade de abstração e a imaginação que surgem quando os materiais estruturados deixam de existir e a criança sente a necessidade de usar os recursos que dispõe à sua volta para criar e experimentar diferentes papéis sociais que negoceia, e testa limites enquanto inventa personagens; ao brincar no meio das árvores a criança pode ser um urso na selva, ser uma bruxa ou um feiticeiro com um simples galho de uma árvore ou um chef de culinária numa cozinha de lama.

Mas sair para o espaço exterior é também conhecer o mundo social ao redor, conhecer a nossa comunidade e a nossa cultura. Em Portugal, a prática de sair da sala no ensino pré-escolar e na creche tem-se tornado cada vez mais rara, sendo esse tempo ocupado por atividades que ensinam o mundo através de um caderno de fichas e de uma folha de papel. Devido à situação pandémica, menores foram as visitas de estudo e os passeios à comunidade, ficando cada vez mais apartadas do mundo em que vivem e à mercê das desigualdades sociais que não são colmatadas quando a escola fecha as crianças entre as suas quatro paredes. 

Ao sair da sala, os educadores e professores permitem às suas crianças explorar o mundo, aprender fora da sala, experimentar e observar, entrar em contacto com o meio sociocultural em redor. Ao sair da escola a criança aprende regras de segurança e convivência social, conhece e começa a construir o seu papel social. Descobre o mundo e dá significado ao que aprende na escola. 

Fruto destas inquietações, foi criado o mote para mantermos aquilo que, enquanto agentes de educação, sabemos ser fundamental para o desenvolvimento infantil.

Mantivemos visitas de estudo, aproveitando as condições de higiene e segurança que os museus e teatros ofereciam e com a sorte dos espaços se encontrarem muito menos lotados do que outrora, usufruímos do Oceanário de Lisboa, do Teatro LUCA, do CCB, e da Exposição “Meet Van Gogh”. Também visitamos espaços ao ar livre que nos permitiram maior contacto com a natureza: Palácio de Monserrate, Convento da Peninha, Guincho, Quinta do Pisão, Lagoa Azul (todos no Parque Natural Sintra-Cascais), Serra da Arrábida, Monsanto, praia, Dino Parque e ainda tivemos tempo de ir apanhar azeitona.

Além disso, começamos a quebrar uma barreira cultural tipicamente portuguesa, o receio do tempo frio e o medo de ficar sujo. Por isso, fizemos muitas vezes como o caracol, quando começava a chuviscar, lá íamos nós, chapinhar nas poças de água, de galochas e fatos para a chuva, bem agasalhados, aproveitar a criatividade e liberdade que se tem quando se é criança. 

Apesar desta reflexão nos remeter para o tempo de regresso à escola e de como privilegiamos o espaço exterior ao longo do primeiro período, estamos novamente em confinamento e pensando que possivelmente voltaremos ao Ensino à Distância. 

Que o medo não nos tire a capacidade de pensar e de encontrar soluções para aquilo que acreditamos ser realmente importante.

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