ONo quase meio século que Portugal viveu entre um 28 de Maio do século passado e o 25 de Abril deste ano e que se reparte, em igualdade de tempo, entre um regímen ditatorial, corporativo e dirigista e um regímen democrático, parlamentarista e liberal, muita coisa aconteceu no reino das Belas-Artes, fossem elas a Pintura a Escultura ou a Arquitetura.
Naquele primeiro tempo “uma política de espírito” imposta pelo governo e da polícia de “defesa do Estado” invadia exposições de Arte, apreendia obras e prendia artistas que “pintavam a terra e o povo”. Na Arquitetura tentava-se impor um “estilo nacional”, na defesa do património edificado coroavam-se de ameias novas velhos castelos… A Pintura e a Escultura espalhavam Reis, Santos e Heróis e Navegadores por toda as Obras Públicas que glorificavam o regímen.
Era um privilégio dos muitos ricos comprar uma obra de Arte.
Havia, contudo, focos de sentido contrário e, a propósito aqui recorda a fundação, em 1956, da GRAVURA – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses cuja atividade permitiu que muitos jovens casais de então pudessem ter em suas casas obras de Júlio Pomar, Pavia, Alice Jorge, Nikias Skapinakis, Bartolomeu Cid, Cipriano Dourado, Navarro Hogan e muitos outros de igual qualidade e significado.
A euforia que nos campos das Artes Visuais se seguiu à Revolução de 74 foi, infelizmente, sol de pouca dura com significado simbólico no fogo que consumiu, em Belém, uma obra coletiva acabada de fazer. A cor e a vibração dos murais que partidos de esquerda espalhavam por paredes de todo o país ou foram destruídos ou deles só restam em tristes apagamentos. Foi notável a produção de cartazes de caráter político que hoje são ciosamente recolhidos por alguns ou vão a caminho de museus. No campo da Arquitetura, o SAAL, talvez a mais imaginosa tentativa de resolver o problema da habitação para o maior número, finou-se por obra de terratenentes e políticos desinteressados.
Vem da primavera marcelista o vírus que hoje ataca as Belas-Artes portuguesas, quando bancos e grandes banqueiros, a burguesia endinheirada e majestáticas companhias, em conluio com merchantes e críticos de arte fazedores de opinião se lançaram a “colecionar”. Fizeram-no com ânsias de arrebanhadores e conseguiram fazer passar a Arte de bem cultural para um valor mobiliário – cotada, garantia de empréstimos, instrumento de manigâncias financeiras.
No campo da arquitetura lia-se há bem pouco tempo em artigo publicado num semanário de grande divulgação “uma casa de milhões é uma questão justificada como ter um carro de… ou um quadro de…” (opinião justificada, acrescentamos nós, para obter crédito, não pagar e ganhar dinheiro à custa de outros)
Neste contexto nasceu um novo sentido de Arte que exige a si próprio ser colossal, bizarro, gritante e que tanto atrai a atenção de boçais comendadores como filas de novos-ricos à porta de um Palácio Nacional (cedido para o efeito) para admirar a estrutura de um gigantesco sapato decorado com tampos de panelas de alumínio ou mirar em qualquer muro ou empena degradada da cidade ferruginosos monstros de sucata, sugerindo geromórficas figuras.
E de tudo isto resulta que é cada vez maior o fosso que vai hoje da “produção” ao usufruto imediato e íntimo da Arte pelo maior número.