Opinião

Literatura

Maduro maio e outros contos, de Nuno Gomes dos Santos

Este novo livro, um conto longo, de 80 páginas, que dá título ao volume, e 3 contos, percorre com um verso ágil e solto os dias amplos de Abril e faz, em analepses breves, alusões ao tempo do fascismo, nomeadamente as lutas estudantis dos anos 1960, as prisões políticas, a bufaria e os Pides pesquisadores de pepitas e utopias em mentes claras e livres.

A narrativa Maduro Maio, passa pelo frustrado Golpe das Caldas, espécie de ensaio para o dia pleno que viria meses após, e embala ancorado em personagem central do conto é João, pintor da construção civil, que a malta do reviralho estudantil confundirá com um tipo pintor das Belas Artes, quem o mandou misturar-se com a matula das letras e das leis e sujeito a levar umas valentes cacetadas dos aprumados cívicos do fascismo salazarento.

João e os amigos, o Tó, que morrerá cedo, o Joaquim, a Luísa, o Carlos, a Aida, gente simples de uma Lisboa de enrasques e desenrasques, a dados a tertúlias no sossego das tascas do bairro, a falar da vida e de outras questões mais largas e secretas, pelas quais também a vida concreta e vigiada das pessoas, que não nasceram com o traseiro virado prá Lua, também vinha à liça. Do Partido, quase todos, mas em modo de conversa de faz-de-conta, que a metáfora, nesses tempos, fazia agitar as meninges. A amizade, a camaradagem, a entreajuda, eram moeda de troca. Até que surge Abril e o alvoroço, a malta a fazer a festa e a ariscar em cima das chaimites, barreira intransponível para os que, meses antes, tinham ido ao beija-mão a S. Bento jurar fidelidade a um Marcelo a tentar equilibra-se em chão podre. E João, o tímido João, a chegar atrasado à festa maior, a esse Maio que inundou as ruas de Lisboa e onde Soares e Cunhal, ainda irmanados no mesmo propósito de fazer de Portugal algo de decente e justo, falaram às massas num estádio baptisado de 1º. de Maio, pleno de povo, de palavras de ordem, de esperança.

O conto, O Adeus às Armas, diz-nos da desobediência, do direito cívico de desobedecer a ordens de caserna, desobedecer no dia em que se soube, pela rádio, que Salvador Allende tinha morrido. O cadete Gentil gritou, alto e bom som, MERDA! Depois deixou no chão a G-3, e afastou-se, o alferes ainda quis ir atrás dele, mas não lhe foi possível passar por uma barreira de cinco cadetes decididos, adultos, revoltados e muito, muito tristes. O último conto do livro fala-nos de Etelvina, a jovem Etelvina que viu o seu companheiro ser preso pela Pide e lhe continuou a luta. Será também presa, brutalmente torturada. E não disse nada, nunca falou. Sofreu às mãos dos algozes a mais duras sevícias. E não falou. Passaram, os camaradas, a chamar-lhe, A Muda.

Este livro de Nuno Gomes dos Santos aparece no tempo dos monstros ressurectos. Daqueles que, como escreveu Ary, Abril venceu! Dos que querem ocultar o Sol de Abril e ungir a noite das traições e da perfídia que Novembro foi. Um livro que nos fala dos que lutaram e sofreram para que Abril acontecesse. Dos que não querem que o fascismo regresse, com outras máscaras, mas com os mesmos propósitos e consequências.

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