Opinião

A Voz do Corvo

…homens, animais e um aeroporto

Para além do terreno que as suportam e de todos os edifícios que sobre ele os homens construíram, as cidades são também habitat de outros seres vivos, sejam eles animais ou vegetais.
Dizia um velho dos que se reúnem no jardim do meu bairro: antigamente, nas árvores que há nas traseiras do prédio onde vivo, havia muitos e variados pássaros e especialmente muitos melros e era um encanto ouvi-los… mas hoje já lá não ouço, nem vejo, quase nenhum e o que agora lá há são uns passarões, enormes e agressivos que tomaram conta de todas as árvores e que se diz terem vindo de África ou do Brasil. É o aquecimento global, não há nada a fazer, sentenciou um outro velho, mas o pior aqui no bairro são os pombos, sujam tudo, estragam a pintura dos carros e até trazem doenças. Acrescentou um terceiro que o pior do bairro era o barulho dos aviões e exprimiu o receio de que qualquer dia lhes caísse um em cima…

O que qualquer deles quereria dizer é que existe uma relação vivencial entre os homens e os animais que os rodeiam nas cidades, nas vilas, nas aldeias e até nos campos e que essa relação se pode tornar conflituosa quando o número destes atinge o nível de praga, seja de ratos (são muitas as Câmaras que se vêm obrigadas a incluir nos seus orçamentos verbas para a luta anti muriática) seja de baratas, de cães vadios ou de destruidores javalis, mas que essa relação também pode conduzir à solidariedade e ao respeito vertidos na Declaração dos Direitos dos Animais. Trata-se de uma relação dinâmica que se adapta constantemente a tempos e sítios quando ocorrem alterações naturais de habitats ou se está perante transformações territoriais, consequência de obras de engenharia.

Dão que pensar e suscitam interrogações exemplos ocorridos entre nós: porque é que as aves, por instinto de sobrevivência, não se afastam dos mais barulhentos aeroportos e para segurança das aeronaves é necessário fazê-lo? Porque é que a Ponte Vasco da Gama, acusada de impacto ambiental negativo permite hoje que novos e velhos se maravilhem com a plumagem dos flamingos que lá pousam, indiferentes à passagem de milhares de automóveis? Ou que, um pouco mais adiante, ao longo das estradas que vão para o Sul, estimadas cegonhas se adaptem à modernidade e coloquem os seus ninhos em postes de alta tensão em vez das torres das velhas igrejas?

Não restam dúvidas que hoje há na biosfera animais domésticos (os que vivem nas nossas casas), animais urbanos (os que vivem nas cidades e nos campos ordenados pelos homens) e animais selvagens (os que vivem em consonância com a sua natureza, espalhados por todo o mundo ou em reservas ou em “santuários”) e esta constatação pode conduzir à questão de avaliar até que ponto essa repartição é frágil perante uma transformação rápida e extensa de um sítio como, por exemplo, a construção de um aeroporto numa zona que hoje se mostra equilibrada na convivência animal.

Não será possível encontrar uma localização que se furte a interesses particulares e una valores nacionais e bem-estar local? Há autarcas e técnicos que dizem que sim.

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