Todas as semanas um jornal diário de grande circulação publica um suplemento onde, em posição destacada e profundamente ilustrada, são abordados problemas do ordenamento do território, da indústria da construção civil e da habitação na ótica do comércio imobiliário.

Reconhece-se que pode ser falacioso extrair uma frase de um contexto, mas na ocasião não haverá outra maneira de transmitir o que lá se escreve: Lisboa em 16º lugar entre as melhores cidades para investir.

Investir significa aqui, obviamente, um bom sítio para ter lucros fáceis, pois lá se diz também que Lisboa continua a ser atrativa para os investidores internacionais, mas muitas vezes não encontram oferta do produto que procuram.

Não admira que não a encontrem, pois um estudo recentemente elaborado pelo ISCTE revela que a taxa de esforço (relação entre os rendimentos de uma família e a renda que paga) em todos os concelhos da Área Metropolitana de Lisboa era cerca de 40% e em Lisboa chegava aos 80%. 

Neste quadro não causa espanto que os investidores não encontrem interesse em colocar os seus capitais em setor tão fragilizado, uma vez que o mercado os coloca perante mais aliciantes empreendimentos como bem denota um outro título daquele suplemento: Terrenos para construção têm ganho novo dinamismo.

E depois em subtítulo: Terrenos bem localizados fora das grandes cidades, com bons acessos para construção de prédios multifamiliares ou para autoconstrução são solução para a atual escassez de habitação. 

Estes títulos são reveladores de que qualquer coisa vai mal no reino do imobiliário em Portugal e explica o cenário explodido das nossas cidades. Constrói-se onde os “investimentos são mais interessantes” e não onde um planeamento integrado (habitação, trabalho, comunicações e equipamento social) tenha condições para se implantar em benefício do maior número. 

No referido suplemento comercial, com o subtítulo de Oportunidades e sob a chancela de um Banco anuncia-se:  Terrenos para construção urbana em…; Conjunto de 7 terrenos rústicos com capacidade construtiva.

E aí se detetam várias contradições: é na passagem de um terreno rústico “para um terreno com capacidade construtiva” que o promotor imobiliário especulativo vai buscar a totalidade dos seus lucros, mas essa mudança de rústico para urbano exige que a montante exista uma cadeia de instrumentos de planeamento que termina, para um promotor imobiliário privado, com a emissão de um Alvará de Loteamento, onde conste, de forma inequívoca, a descrição das infraestruturas a construir, o destino de cada hectare para habitação, equipamento, zonas verdes ou quaisquer outras funções e a caracterização numérica e qualitativa dessas ocupações. 

A lei determina, no sentido de uma ocupação racional do território, que nenhum terreno rural possa ser anunciado e vendido como urbano sem estar publicamente emitido o respetivo Alvará e cumpridas todas as obrigações do promotor, a mais importante das quais será, sem dúvida, pelo seu caráter conjuntivo, a construção das infraestruturas. As sanções pelo incumprimento chegam, neste caso, à pena de prisão.

É óbvio que cada um pode vender aquilo que é seu quando muito bem entender, mas deve fazê-lo, mandam os costumes, de forma clara e sem ambiguidades. 

Muito se lembrarão da ASAE quando homens encapuçados, de pistola metralhadora em punho, irrompiam pelas feiras e multavam e talvez até prendessem pobres feirantes quando naquilo que procuravam vender não havia coincidência exata entre os rótulos e etiquetas e a verdade do produto.

Já se ouviram, sem eco, vozes no nosso Parlamento sobre a necessidade de regulamentar o negócio imobiliário e de conhecer o destino das mais valias geradas.

Sem ironia – talvez seja necessária uma nova ASAE com olhos de outra escala.

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