Em determinadas épocas e em alguns países da Europa e das Américas, houve características das suas populações que, julgadas dominantes, foram tratadas por artistas, configuradas em estereótipos e ganharam valor iconográfico.

John Bull, no Reino Unido, como a própria alcunha indica, seria um rural, forte como um touro e assumidamente conservador; nos Estados Unidos, o Tio Sam é um amigo como qualquer tio deve ser dos seus sobrinhos, mas também determinado quando, durante a WW-2, em vigorosos anúncios e cartazes, incitava todos a participarem no esforço de guerra; a França, para além do simbólico galo, tem a Marianne figura feminina, símbolo do patriotismo republicano e de que Brigitte Bardot já serviu de modelo; o Brasil, por via de especiais condições geoestratégicas (a participação na Segunda Guerra Mundial em aliança com os Estados Unidos), teve o hollywoodesco Zé Carioca, um papagaio loquaz e amigo de ajudar os outros e que chegou a contracenar com Carmen Miranda.

Entre nós a figura mais representativa do país terá sido, sem dúvida e durante muito tempo, o Zé Povinho, graficamente representado por um camponês, aparentemente boçal e resignado face às injustiças e à corrupção, mas ao mesmo tempo alheado de qualquer iniciativa de alteração. Talvez resiliente à sua maneira.

Após a Revolução de 74, um jornal diário divulgou a figura de Zé Ferrugem, representação do operário, conhecedor dos seus direitos, sindicalista e ativista político. Afastou-o o refluxo neoliberal e talvez tenha vindo a ser substituído pelo Chico Esperto (grande injustiça para todos os Franciscos bons cidadãos) que sem nunca ter tido representação iconográfica se espalhou por toda a sociedade desde o pequeno trafulha ao grande banqueiro. Uma grande exposição, agora em Lisboa, recorda-nos como figura representativa Oliveira da Figueira, um palavroso comerciante português que Hergé criou.

Se houvesse que representar o português de hoje seria possível fazê-lo através de uma única imagem, fosse das letras ou do desenho? Certamente que não.

É verdade que há, sem dúvida, fatores de identidade entre nós e não é de estranhar que assim seja num país com uma história comumente vivida há séculos, falando a mesma língua, sem conflitos religiosos e que pobre de recursos naturais se organizou em estado unitário e democrático. Onde cada ciclo eleitoral é manifestação de civismo e sagacidade política.

Tudo isto é impossível de representar através de uma imagem antropomórfica, pois ela teria de ser a síntese de uma sociedade onde cabem em harmonia e sem segregação velhos e novos, mulheres, homens, crianças, pobres e ricos.

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