Opinião

Urbano Tavares Rodrigues, escritor de Abril

A 3 de Dezembro cumprir-se-ão 100 sobre o nascimento de Urbano Tavares Rodrigues, um dos autores fundamentais da segunda metade do século XX. Independentemente de outras abordagens mais longas e profundas em torno da vasta obra do autor de A Porta dos Limites.

Generoso e solitário, estimado e admirado pelos seus pares, dele disse Fernando Dacosta: ”Na vanguarda da oposição à ditadura, à censura, Urbano serviu-se, como ninguém, da escrita, da palavra, da coragem para defender as suas utopias”. Basta-nos percorrer, em voo de pássaro, 3 dos títulos publicados por U.T.R. entre 2005 e 2008 (O Eterno Efémero, Os Cadernos Secretos do Prior do Crato A Última Colina) para que esse atento olhar aos rumores da vida, aos seus mais ínfimos, secretos sinais (mesmo quando carregados de cepticismo ou da imanente presença da morte), nos continuem a seduzir pela assertividade do que nos é narrado, pelo fantástico, pelo húmus discursivo de uma poética carregada de signos, de jogos de sedução, de analogias entre o corpo, o desejo e a transgressão, essa plena, rumorosa constelação do sangue de que nos fala Herberto Hélderonde permanece, nessa simbiose entre real e ficção, a fecunda análise das grandezas e das misérias humanas. 

Urbano foi um exímio contador de estórias, um autor em que o gozo pelo discurso narrativo, pela efabulação é evidente e tocante. Daí a sua escrita ser torrencial, poderosa de ressonâncias semânticas, vibrátil, imersa no território do poético, espaço onde a vida age como afirmação e identidade colectiva. 

Hoje, quase cinco décadas volvidas sobre a madrugada que sonhámos, os senhores que se vão revezando nas cadeiras do poder têm vindo meticulosa e paulatinamente a criar novas formas de cerco e de opressão. A nova sujeição planetária está ao alcance de uma simples ligação à Internet, como Urbano denunciou em O Eterno Efémero. Esse novo e pouco admirável mundo, que Orwell já adivinhava, está agora disponível e à mão de todos os tiranos, tiranetes e sucedâneos, estejam eles no Pentágono, em Bruxelas ou nos alcatifados bunkers modernos da banca e das multinacionais. Daí que o seu Canto do Soldado no Cerco do Porto, que Cília musicou e Adriano cantou como só ele sabia, seja ainda uma canção actual, a lembrar aqui, num Junho de festas populares, que Urbano tanto quis que fossem plenas, críticas e livres: Sete balas só na mão/já começa a amanhecer/Sete flores de limão/Para lutar até vencer//Já estremece a tirania/Já o sol amanheceu/Mil olhos tem o dragão/Há chamas d’oiro no céu//Abre no peito o luar/Companheiros acercai-vos/Arde em nós a luz do dia/Companheiros revezai-vos//Já o rouxinol cantou/Tomai o nosso estandarte/No seu sangue misturado/Já não há desigualdade. 

Sete flores de limão

Pra lutar até morrer.

Já estremece a tirania

Já o sol amanheceu.

Mil olhos tem o dragão

Há chamas d’oiro no céu.

Cresçam monstros e canhões

Artigos Relacionados