A crise na Global Media Group, responsável pelos títulos Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Jogo e TSF, que acumulava, até há bem pouco tempo, uma dívida ao Estado (Segurança Social e à Autoridade Tributária), de cerca de 7,5 milhões de euros, suscitou uma onda de protestos, mas a profunda crise que vem destruindo jornais, dizimando redações e pondo em causa a profissão de jornalista, não é recente, “não começou com a destruição do Global Media Group está entranhada em todas as redações”, refere-se na moção do V Congresso dos Jornalistas (em janeiro deste ano) que aprova a Greve Geral realizada a 14 de março e que paralisou 64 redações do país.
De resto, já em 2017, as conclusões de um congresso, o 4.º, referiam as condições do exercício da profissão, designadamente a “dimensão reduzida das redações com despedimentos, precariedade, baixos salários” e efeitos devastadores na qualidade do jornalismo, que fazem perigar a “independência dos jornalistas” e a atividade do jornalismo, enquanto “pilar da democracia”, comprometendo o “direito constitucional à informação, indispensável para o exercício pleno da cidadania”. Sete anos separam um e outro congresso e se o cenário se alterou foi no sentido do agravamento da situação.
Hoje a situação da Global Média parece ser apenas a ponta do iceberg. A Trust in News de Luís Delgado, que adquiriu à Impresa de Francisco Balsemão, em janeiro de 2018, 17 revistas por 10,2 milhões de euros, ainda mantém uma dívida à Impresa Publishing e acumulou, desde então, uma dívida ao Estado de 11,5 milhões de euros, como refere no Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mais de 40% do passivo total que superava os 27 milhões de euros. O Estado é, portanto, o maior credor da Trust In News. E não é caso único, também, segundo a mesma fonte, o Estado é o maior credor (mais de 50% do passivo) da Newsplex, SA, que detém o Insurgente e o Sol Nascente.
Se há, e os dados tudo apontam nesse sentido, uma falência do negócio que arrasta a profissão para níveis de precariedade cada vez mais evidentes, despedimentos e consequente redução das redações que minam a credibilidade da profissão, degradação das condições de trabalho com repercussões diretas e indiretas na qualidade e credibilidade da profissão, como pode o jornalismo, enquanto profissão que desempenha um papel “pilar da democracia”, salvar deste voo picado para o abismo?
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse recentemente que “este é o momento” de chegar a “um entendimento de regime” sobre os media. Defendeu, na cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta, que decorreu nos Paços do Concelho, em Lisboa, que é preciso encontrar fórmulas de modo transversal para viabilizar “aquilo que é fundamental para a democracia”.
Constatando o que é, há muito tempo, óbvio, o Executivo, já nesta nova composição, veio admitir a possibilidade de, em breve, apresentar um plano de emergência para a comunicação social. Ficou, mais ou menos, no ar a ideia que mais uma vez o governo surgirá com uma solução milagrosa para ressuscitar o negócio. Como podemos verificar, pela realidade atrás referida, essa solução de despejar dinheiro no negócio dos jornais, ou até perdões fiscais aos detentores das empresas, não vão ter o efeito de salvar o negócio e muito menos o de proteger a profissão.
Ora, como o fundamental para a democracia é o jornalismo e não o negócio dos jornais, o Estado tem a obrigação de separar o trigo do joio, isto é, preparar um plano, se quiser um “entendimento de regime” que salve a profissão da ruína do negócio. Financiar o salário dos jornalistas, potenciando o aparecimento de novos projetos, cooperativas de jornalistas que coloquem o exercício da profissão no centro da equação e libertem a nobre e fundamental propósito do jornalismo, garantir o “direito constitucional à informação, indispensável para o exercício pleno da cidadania” é o único caminho possível. Continuar a financiar o negócio da “notícia” é matar o mensageiro.