Mário de Carvalho é um dos mais estimulantes e criativos autores da sua geração. Senhor de um estilo próprio, rigoroso na utilização da língua, o autor de Contos da Sétima Esfera, vem utilizando a sua energia imagética em vários géneros literários, do romance ao conto, do teatro ao guionismo, da escrita ensaística à crónica, sempre com assertiva incursão em cada um desses territórios.
Durante alguns anos das décadas de oitenta e noventa do século passado, nas páginas do jornal Público e no Jornal de Letras, Mário de Carvalho foi publicando uma série de crónicas sobre a realidade do País, das artes à política, da sociologia ao memorialismo. Textos que, lidos hoje, volvidas décadas sobre a sua publicação original, ainda nos questionam, ainda fazem sentido, percorrem de modo desafiante as peculiaridades idiossincráticas da nossa condição de portugueses envolvidos nos desafios da modernidade, dado existir neles algo de profético, de visionário, de testemunho que, se reflectem o tempo da sua gestação, vão muito para além dele.
As crónicas de O Que Ouvi na Barrica das Maçãs, dizem-nos de um mundo nosso, ainda reconhecível, dado que não mudámos assim tanto, a realidade do País, se existiram várias e profícuas mudanças, mantém a essência das suas carências económicas, políticas, culturais e sociais, que estas crónicas, na sua distância temporal, lucidamente reflectem e denunciam.
O Que Eu Ouvi na Barrica das Maçãs, lê-se de um fôlego com um misto de prazer e esparsa nostalgia reflexiva, percorrendo as páginas em que o humor sagaz do autor, essa forma corrosiva de crítica social, transforma a incursão doméstica destas crónicas num retrato mordaz, a espaços cruel, do País que somos, das nossas grandezas, misérias e deslumbres sem lastro.
O discurso de Mário de Carvalho incide sobre o espaço democrático pós 25 de Abril, com as suas falhas e insuficiências.
Estas crónicas notáveis, divididas em quatro períodos temáticos, Divagando, Intervindo, Oficiando e Rememorando, dão-nos a ler um País perdido nas suas seculares contradições, revelando-se nelas, mais do que o grande escritor que Mário de Carvalho é, um comunicador de vastíssimos recursos.
«Venham os salta-pocinhas, chamar-me moralista, venham. Eu ralado…»
O Que Eu Ouvi na Barrica das Maçãs, de Mário de Carvalho. Porto Editora/2019