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Histórias Inacabadas

Histórias Inacabadas, de Camilo Castelo Branco, acabadas por Lídia Jorge, Francisco Duarte Mangas, José Viale Moutinho, Nuno Júdice, Julieta Monginho e Mónica Baldaque original, processo em que os próprios universos dos autores, sendo complementares, se distinguem), não deixam, todos eles, de enquadrar com imaginação, capacidade discursiva e lisura de processos, os textos originais.

Histórias Inacabadas, de Camilo Castelo Branco – Edição Teodolito/2023.

José Viale Moutinho é escritor e ensaísta de amplos recursos criativos, autor de uma vasta obra que abarca o ensaio, a biografia, a poesia e o conto, géneros pelos quais recebeu importantes prémios literários, com destaque para o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco, o qual, por duas vezes, contemplou obras suas: Cenas da Vida de um Minotauro, em 2000 e Monstruosidades do Tempo do Infortúnio, em 2018; e o Prémio D. Diniz, pela obra Os Cimentos da Noite, livro que reúne a sua obra poética publicada entre 1975 e 2018.

Autor de uma fotobiografia de Camilo Castelo Branco e de uma biografia notável e imprescindível sobre a sua vida e obra, Viale Moutinho encontrou no espólio, ou em folhetins publicados na imprensa diária, ou na vasta produção romanesca do autor de Amor de Perdição, capítulos iniciais de seis histórias que Camilo, sempre assoberbado pelas urgências de quotidianos agrestes, havia deixado inacabadas, ou abandonara a meio, como foi o caso de Um Episódio de Alcácer-Quibir. Daí a ideia, originalíssima, de desafiar, para o ambicioso projecto de dar continuidade a textos que Camilo não continuou – e deles desistiu de um modo um tanto abrupto, um grupo notável de seis autores contemporâneos, entre os quais o próprio José Viale Moutinho, a que se juntaram Lídia Jorge, Francisco Duarte Mangas, Nuno Júdice, Julieta Monginho e Mónica Baldaque.

O desafio proposto por Viale Moutinho foi amplamente suplantado, não apenas nas soluções encontradas pelos autores para dar sentido aos esboços camilianos e à sua complexa formulação inicial, como o fizeram mantendo o estilo e a linguagem – do pícaro ao histórico, da crítica social ao desbragado romântico -, do autor de Mistérios de Lisboa. Se os finais são, por vezes, inesperados (o que permite re- moçar e subverter a intriga subjacente ao projecto original, processo em que os próprios universos dos autores, sendo complementares, se distinguem), não deixam, todos eles, de enquadrar com imaginação, capacidade discursiva e lisura de processos, os textos originais.

No magnífico prefácio de José Viale Moutinho que acompanha esta edição, o leitor é informado, com minúcia, dos processos que estiveram na origem de cada uma das obras e dos sinuados motivos que levaram Camilo a não as completar. Diz-nos Viale Moutinho: Escolhidos os escritores, inventariadas as obras, na clausura do meu gabinete de trabalho procedi a um sorteio no sentido de entregar, honestamente, a cada um o texto que, de modo aleatório, lhe calhasse. O certo é que este processo funcionou em pleno, os autores convidados cumpriram com apuro o desafio e, desse modo, temos um Camilo recuperado das páginas efémeras dos jornais, que vale este desafio dos seus companheiros de hoje, os quais, com roupagem nova, que ele não desdenharia vestir, o trouxeram de novo para os nossos dias e para o nosso convívio.

Camilo não era um medíocre, era um génio, escreveu Mário Dionísio. Este livro vem provar, aos mais distraídos, que o génio ainda habita aqui, e que bem acompanhado anda.

Histórias Inacabadas, de Camilo Castelo Branco – Edição Teodolito/2023.

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