Opinião

Voz dos Livros

Poemas para Abril e Maio, poemas sociais, de Nuno Rocha Morais

Mesmo nestes dias de resguardo sanitário, a poesia pode, e deve, estar na rua. Porque Abril é o mês da palavra liberta, ampla e fecunda; porque Abril é mais do que um mês, é o MÊS, em que tudo, de repente, num dia de prodígios, mudou nas nossas vidas. O mês soberano da Liberdade resgatada, o mês em que crescemos para além da nossa altura, em que o Eu se transformou num amplo e sonoro NÓS!

Quarenta e seis anos depois, a poesia, alguma poesia, a mais atenta aos fenómenos políticos e sociais, à essência das coisas e da Vida, continua a dizer-nos Se temos de morrer, vençamos a matilha, que nos convoca e, de modo pedagógico, nos incita Nem sempre a firmeza te será vitória./Não: haverá momentos em que deverás vergar/Como quem quebra,/Como quem se submete à amargura de um fim/Que sobre nós pesa./Verga, sem quebrar, para que, de novo, te possas erguer./No ergueres-te. O livro, este que hoje vos recomendo, tem por título Poemas Sociais, de Nuno Rocha Morais.

O autor nasceu no Porto em 1973 e faleceu no Luxemburgo em 2008. Teve, portanto, vida breve. Foi jornalista n’O Comércio do Porto e tradutor no Departamento de Língua Portuguesa da Comissão Europeia, no Luxemburgo. Grande parte da sua poesia – o autor deixou um vasto espólio – tem vindo a ser publicada a título póstumo.

As traves centrais da poética de Nuno Morais radica nos valores da condição humana: na dignidade, na justiça, na morte, na paz, no respeito pelos velhos que trazem no rosto/Os sulcos/De uma terra esgotada/E o desamparo de baldios,/De fábricas abandonadas, velhos, denuncia o poeta, que Cumpriram, mas agora já não servem./Vivem, alimentados com reformas de fome. Uma voz que clama contra a usura e a organização da miséria, que fere o mais humano que nos habita. Essa busca do justo dividir do pão, de que também Ary nos falava.

A unidade temática deste livro inscreve esse supremo sentido, a busca do rosto do outro na multidão, a conjugação sábia de um discurso sem panfletários arroubos, mas que incide, de modo inteligente e sensível, sobre as questões centrais do nosso tempo: a crueldade, a ganância dos que mandando no mundo, tendo tudo, apenas distribuem sobejos. Um poeta também para estes dias, sobrelevando o luto, quando nos diz que As crianças reconstroem o calor./E a cada beijo um novo dia se ergue,/Pleno de fértil brancura.

Poemas Sociais, de Nuno Rocha Morais – Colecção “Explicação das Árvores”, Edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto/2019

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