Opinião

Ambiente

Pobreza energética e um programa sem eficiência

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O Governo PS anunciou a 2ª edição do Programa “Vale Eficiência”, a ser operacionalizado pelo Fundo Ambiental, com dinheiro do Mecanismo de Recuperação e Resiliência financiado pela UE – a “bazuca” europeia. Trata-se de um programa que se insere no previsto no Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030, na Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, na Estratégia Nacional de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética 2021-2050 e que integra um conjunto de medidas que são publicitadas como parte de uma política ambiental e de combate à pobreza energética. 

O “Vale Eficiência” está direcionado para famílias economicamente vulneráveis, designadamente para agregados familiares que sejam beneficiários de Tarifa Social de Energia Elétrica e prevê a possibilidade de atribuição de até três vales por agregado. A primeira fase deste programa contou com 20.000 vales, dos quais foram entregues apenas 12.000. Nesta segunda fase, serão 100.000 vales para entregar até 2025 no valor de 1300 euros (acrescido de IVA) cada, num total de 104 milhões de euros. Existem cerca de 751 926 famílias a usufruir desta Tarifa, neste momento, em Portugal. Um número que fica muito acima dos anunciados 100.000 vales, deixando dúvidas sobre a competência e rapidez deste tipo de políticas públicas no combate de um problema sistémico no país. 

Estas medidas – defende o Governo – visam aumentar o desempenho energético dos edifícios, melhorar o conforto térmico e as condições de habitabilidade das famílias mais vulneráveis. Uma solução para melhorar a saúde e bem-estar das famílias e para contribuir para a redução da fatura energética e da pegada ecológica, diz o PS. No entanto, a capacidade teste Programa atingir os objetivos a que se propõe é bastante questionável face aos valores praticados no mercado para a instalação das tipologias de intervenção abrangidas. Um agregado familiar que viva num T3 terá de suportar um custo médio estimado entre os 2.500 e os 4.000 euros para a troca de todas as janelas da sua habitação. Os custos serão igualmente altos para a instalação de painéis solares, de sistemas de aquecimento e/ou arrefecimento ou de isolamento térmico – as restantes intervenções previstas. 

O Programa não parece ir além de um mero incentivo ao desenvolvimento económico que favorece as empresas enquanto acarreta uma sobrecarga burocrática e económica para as famílias beneficiárias da Tarifa Social de Energia Elétrica. O ónus de implementação recai sobre as famílias mais vulneráveis, colocando-as a consumir janelas, portas e painéis solares às empresas locais e nacionais que sejam elegíveis enquanto fornecedores no âmbito do Programa. Uma manobra de diversão para fingir que se implementam políticas públicas ambientais e centradas em retirar famílias de contexto de pobreza energética, no que parece ser apenas (mais) uma política de incentivo ao consumo. O Programa revela-se desproporcional face à realidade económica das famílias mais vulneráveis, assumindo que estas se encontram na posse dos recursos materiais e técnicos indispensáveis para avançar com intervenções que não serão uma prioridade perante as necessidades económicas com que se deparam no atual contexto de crise. 

As políticas públicas de combate à pobreza energética e que, ao mesmo tempo, pretendam promover a transição energética e combater as alterações climáticas devem ser pensadas de forma estrutural, de modo a que consigam resolver o problema em causa, na vez de o encobrirem com políticas ineficientes. O Estado deve assumir um papel ativo nas políticas que desenvolve e não resumir a sua atuação à externalização das suas próprias competências, ainda para mais quando tal resulte em sobrecarga para as famílias. 

Talvez o Estado pudesse começar por recuperar o controlo estratégico das empresas do setor energético outrora privatizadas por via do processo de (neo)liberalização a que o mercado de energia foi sujeito, por conter os preços da energia e por planear, de forma gradual, uma transição energética justa. Só a partir de uma ação centralizada por parte do Estado será possível contribuir para a igualdade no acesso ao conforto térmico, a boas condições de habitabilidade, criando condições para que todos e todas sejam incluídos no processo de transição energética.

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