Opinião

A Voz do Corvo

Hoje e Ontem

Há bem poucos dias o Presidente da República homenageou com a mais alta condecoração do país o Serviço Nacional de Saúde e todos nós entendemos o gesto como um justo reconhecimento e nos sentimos felizes.

O corvo é animal de longa vida, dizem, e o escriba que lhe dá Voz nestas crónicas já passou dos 90 anos e tem nas memórias da sua infância a ideia de que quando uma criança adoecia (e naquele tempo o índice de morbidade infantil era elevadíssimo), se a sua família fosse rica ia consultar um médico num consultório ou A VOZ do corvo chamava-o a casa; se fosse remediada (e havia poucas) ia a uma Policlínica e se fosse pobre (e pode dizer-se sem exagero que eram quase todas) só restava a caridade ou os hospitais civis.

E isso era sempre doloroso para a família, último recurso e sinal desprestigiante de pobreza ou de falta de cuidados.

Se uma maleita prolongada ou um acidente invalidasse um homem, chefe de família, à sua mulher só restava a caridade ou trabalhos redobrados e às crianças, muitas vezes, o asilo.

O desaparecimento de qualquer membro ativo de uma família, para além da dor que acarretava, trazia sempre consigo um salário a menos e o incremento de dificuldades financeiras, onde se incluía naquela altura e com grande peso as despesas funerárias e era essa a razão pela qual muitas associações mutualistas, entre os quais e com papel pioneiro a Voz do Operário, procuravam dar na morte a dignidade que os trabalhadores mereceram na vida.

Férias pagas não havia para a maioria da população e os despedimentos dependiam muitas vezes do humor dos patrões.

Abonos à família também não e a exploração do trabalho infantil, nos campos e nas cidades, era prática corrente e por alguns aceite sem revolta (“o trabalho do menino é pouco, mas quem o não aproveita é louco”).

Lentamente, com avanços e recuos que cabem tanto na evolução como na revolução, este quadro modifica-se e, de facto, pode dizer-se que Portugal caminha para ser um Estado Previdência.

Já o afirmava a Constituição de 1976 ao falar de “abrir caminho para o socialismo”.

Se é verdade que alguns fatores da vida comunitária ficaram para trás, como é o caso da habitação para o maior número onde a intervenção do Estado infelizmente é reduzida, é notável o esforço feito por um país de poucos recursos naturais ao conseguir, superando dificuldades, implantar e pôr a funcionar um sistema que controlou e fez parar uma pandemia e, sobretudo, sem ter perguntado a quem quer que fosse se era rico ou pobre ou sequer indagasse quem se responsabilizaria por eventuais despesas de tratamento (como sucede no setor privado da saúde).

Por tudo isto é bem merecida a condecoração atribuída. Oxalá ela se possa estender em breve a outros setores do bem-estar social.

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