Os preços nos supermercados disparam e as grandes empresas do setor da distribuição continuam a acumular lucros. Apesar da elevada inflação, há agricultores que afirmam que haveria margem para os preços serem mais baixos e reclamam mais equidade na repartição de rendimentos entre a cadeia de produção e distribuição.
Entre as prateleiras do supermercado, Rita Soares procura os produtos mais baratos e de marca branca. Não é fácil. Todas as semanas, a diretora técnica do Centro Unitário de Reformados, Pensionistas e Idosos de Odivelas surpreende-se com a subida constante dos preços. “Fazemos compras uma vez por semana. Compramos, sobretudo, queijo, fiambre, leite bolacha maria, iogurtes, gelatinas, pudins e fruta para organizar os lanches para os nossos utentes”, explica. “Todas as semanas, levamos o mesmo dinheiro e com o mesmo dinheiro trazemos cada vez menos coisas. Isto sente-se todas as semanas. O leite disparou, por exemplo. Comprávamos a 69 cêntimos e agora custa cerca de 85. Acontece o mesmo com a fruta. Ao mesmo preço, só mesmo os iogurtes de marca branca, que se têm mantido mais ou menos o mesmo”, descreve. A instituição tenta usar a imaginação para que esta subida dos preços não tenha consequências no serviço prestado. Mas isso reflete-se nas contas deste centro de dia porque há outros custos associados como o combustível.
Mas este é um problema que afeta também a maioria das famílias a braços com a ginástica financeira para contornar evitar a falência da economia familiar. Para além de diretora técnica desta instituição, Rita Soares visita os supermercados diariamente para abastecer a sua própria família. Admite que, lá em casa, alteraram hábitos de consumo. “Consumimos mais produtos de marca branca, é praticamente tudo de marca branca, e tentamos desperdiçar o mínimo possível”, desabafa.
De acordo com dados de um estudo do Eurostat divulgados no fim de novembro, a inflação piorou as condições de vida na União Europeia. As sanções contra a Rússia e a guerra na Ucrânia fizeram disparar os preços e, à exceção de Itália, a percentagem da população que consegue sobreviver com facilidade ou muita facilidade baixou em comparação com o primeiro trimestre de 2022. Sem acompanhar a inflação, as atualizações salariais avançadas pelo governo vão ser insuficientes para impedir a perda do poder de compra e os sindicatos exigem soluções para garantir rendimentos dignos aos trabalhadores e também mecanismos de controlo de preços.
Preços injustificados mantêm lucros na distribuição
Houve subidas no preço da matéria prima mas a verdade é que a Galp e a EDP Renováveis foram as principais responsáveis pelo recorde de lucros na bolsa portuguesa nos primeiros nove meses do ano. Segundo a ECO, registaram um crescimento dos lucros de 86% e 181%, respetivamente, acumulando 549 milhões de euros, o equivalente a 54% dos 1,1 mil milhões de euros que as empresas do PSI lucraram a mais este ano face ao período homólogo de 2021.
No setor da distribuição os números são também positivos apesar da inflação, uma tendência que já vem de outros anos. Ou seja, no que diz respeito ao aumento dos preços, nem tudo pode ser atribuível ao aumento dos preços de produção, mesmo com a subida dos valores da energia e do combustível. E isso é ainda mais claro em produtos hortícolas e frutícolas, sem qualquer processo de transformação associado.
Segundo dados do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA), na semana que começou a 12 de setembro, o preço de um quilo de cebolas vendido pelos produtores à distribuição era de 0,53% e o preço desse mesmo quilo de cebolas vendido nas prateleiras dos supermercados era, em média, de 1,24 euros, uma diferença de 134%. Mas não é sequer o produto com maior disparidade. Um quilo de alface lisa estava a 1,02 euros e era vendida depois a 3,47, uma diferença de 241%.
De acordo com Pedro Santos, dirigente nacional da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), há de facto aumentos brutais na matéria prima e dá exemplos. “Desde janeiro de 2021 que isso tem sido notório e tudo aquilo de que os agricultores precisam para produzir foi ficando mais caro. A guerra na Ucrânia aumentou tudo de forma exponencial. Temos produtos, fertilizantes por exemplo, que aumentaram 300%. A energia e os combustíveis aumentaram brutalmente também”, explica.
Sobre esta diferença abismal entre os preços de quem produz e os preços de quem vende os produtos nas prateleiras de supermercado, Pedro Soares contesta a falta de controlo. “Não há uma verdadeira correspondência entre os verdadeiros custos da produção e o valor que é pago aos produtores”, sustenta. As grandes superfícies “fazem o que querem”. Segundo o dirigente nacional da CNA, isto não quer dizer que seja tudo margem de lucro mas as diferenças são “brutais”. Nesse sentido, dá o exemplo de produtos hortícolas, em que não há um processo de transformação associado. “É fácil ver que há qualquer coisa que não está bem na cadeia porque a distribuição está a ficar com grande parte do valor gerado”, considera. São muitos os produtores que se queixam da falta de distribuição equitativa tendo em conta os custos com que chegam os produtos aos supermercados.
Pedro Santos considera que a economia de mercado está a funcionar de uma forma “bastante desregulada” e recorda que, apesar de a auto-regulação do próprio mercado estar sempre em cima da mesa, o que se vê são pequenos e até grandes produtores sem conseguirem enfrentar o “quero, posso e mando” da distribuição na imposição dos preços.
Agricultores exigem regulação
Nas últimas semanas, a polémica estalou entre o governo e o setor da distribuição depois de o executivo liderado por António Costa ter anunciado uma taxa de 33% sobre os lucros extraordinários destas empresas. Esta medida pretende taxar os lucros excedentários referentes aos anos de 2022 e 2023, considerando-se lucro extraordinário o que supere em 20% de aumento em relação à média dos lucros obtidos entre 2018 e 2021.
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que representa os empresários do setor, reagiu contra a decisão e ameaçou ir para os tribunais. De acordo com Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da associação, não tem havido lucros extraordinários, sublinhando que toda a cadeia de produção está a sofrer aumento de custos e que o setor não estará a passar a totalidade desse aumento para os consumidores. Ao ECO, afirmou isso mesmo, referindo que “apenas 35% do aumento de custos” chega aos clientes.
Pedro Santos acha que a medida não vai resolver o problema mas não entende as declarações da APED. “Quando se está a falar em lucro, já se retiraram os gastos. Acredito que a atividade destas empresas também tenha tido um aumento de custos. Disso não há dúvida. Os aumentos da energia e dos combustíveis levam a isso mas não se está a falar de taxar essa parte. Fala-se de taxar lucros, depois de apurados os custos e os proveitos”, considera.
Para a CNA, faltam medidas que impeçam a forma de operar das grandes superfícies. É preciso ter em conta os “preços pagos pelos vários elos da cadeia e os custos de cada um dos elos”. Isso é “fundamental”, explica, porque “sem isso, não há equidade”. Na opinião de Pedro Santos, se assim fosse, não era preciso taxar lucros porque tudo estaria “mais equilibrado”.
Para os agricultores, a situação está “perfeitamente identificada e sabem-se as causas” e até recordam que o Ministério da Agricultura vai avançar para a criação de um observatório que, sendo importante, para dar alguma transparência ao mercado, não resolve o problema de regulação específica sobre a atividade destas superfícies, dando o exemplo da legislação espanhola mais eficaz no combate à venda com prejuízo, o chamado dumping.
Ainda assim, Pedro Santos explica que quando a CNA defende preços justos para a produção não se está a dizer que isso tem de se refletir nos preços para os consumidores. “Há todo um caminho em muitos produtos que pode ser feito, pela diminuição das margens”, defende.