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Salvar o Serviço Nacional de Saúde

O Serviço Nacional de Saúde constitui uma muito importante conquista de Abril, proclamando a Constituição da República Portuguesa que «todos têm direito à proteção na saúde e o dever de a defender e promover» sendo esse direito realizado «através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendencialmente gratuito».

O SNS teve um papel fundamental na melhoria de todos os indicadores de saúde, com a redução da mortalidade infantil, o aumento da esperança média de vida, a generalização da vacinação e o acesso a medicamentos essenciais.

Todavia, a política de direita de constante desvalorização do SNS, não procedendo aos investimentos necessários e há muito reclamados e privilegiando a entrega aos privados do negócio da doença, trouxeram o SNS para a situação muito difícil em que se encontra, de que é exemplo a rutura agora vivida em muitos hospitais, designadamente no que toca ao serviço de urgência de obstetrícia.

Os problemas hoje vividos pelo SNS não são conjunturais, resultando da opção dos sucessivos governos de não lhes responder com os reforços necessários, sendo que o Orçamento do Estado de 2022 também não apresenta soluções para salvar o SNS.

É preciso criar condições para que não saiam mais médicos e enfermeiros do SNS e de fazer um caminho para contratá-los para as especialidades em que são necessários e para garantir médico e enfermeiro de família a todos os portugueses, o que passa pela sua valorização, por remunerações atrativas, por uma real perspetiva de progressão na carreira, por horários que sejam compatíveis com o descanso dos profissionais de saúde, bem como pela contratação de outro pessoal e que as contratações se façam com vínculo permanente e integrado nos quadros da administração pública, rejeitando a precariedade que se generalizou.

A fixação dos profissionais de saúde no SNS passa igualmente pela dedicação exclusiva para médicos e enfermeiros, com carácter opcional, correspondendo a uma majoração da sua remuneração base e a uma bonificação na contagem do tempo para a progressão na carreira, bem como alargando a atribuição de incentivos para  a fixação de profissionais em zonas e áreas de cuidados carenciadas.

Por outro lado, é necessário garantir instalações adequadas, concretizando assim um plano de investimentos para a modernização de infraestruturas, com a construção de centros de saúde e de novos hospitais há muito programados, assim como é urgente dotar o SNS dos equipamentos adequados, nos hospitais e nos centros de saúde.

A estratégia, daqueles que tudo fazem para descredibilizar o SNS é clara e assenta num círculo vicioso em que a falta de resposta do SNS cria espaço para justificar mais contratações ao privado, o que leva a perda de recursos a todos os níveis que são retirados do SNS, impedindo por um lado a melhoria da resposta pública e por outro degradando ainda mais a sua capacidade. 

O que se denuncia há muito, é que os grandes grupos económicos da saúde vivem à custa do SNS, quer pela carência no atendimento atempado dos serviços públicos, quer pelo financiamento direto por recursos do Estado, que no caso das transferências diretas do SNS para os privados representam atualmente quase 50% do Orçamento da Saúde. Isto é, o lucro dos grupos privados assenta na degradação do SNS que leva a que os recursos financeiros públicos sejam desviados de forma crescente para o sector privado.

É por causa dessa política de sucessivos governos, que hoje o erário público paga centenas de milhões de euros a comprar exames aos privados que podiam ser feitos de forma mais económica nos próprios hospitais ou centros de saúde. É também por causa dessa política que faltam camas hospitalares, enquanto nos últimos 20 anos os hospitais públicos reduziram mais de 4 mil das suas camas, os privados aproveitaram-se desse encerramento e criaram mais de 3 mil novas camas no mesmo período.

O SNS é de facto o melhor instrumento para assegurar o direito à saúde de toda a população, um direito que não se cumpre com 1,3 milhões de utentes sem médico de família nem com a recente autorização para o recrutamento de apenas 62 médicos de família, quando as necessidades identificadas apontam para mais de 800.

Salvar o Serviço Nacional de Saúde é urgente e um imperativo nacional.

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