Opinião

A Voz dos livros

Ler em tempo de quarentena

Não fora o vírus, esta coisa não humana que trava a progressão social, que nos atropela e fecha em casa despojados de tudo, a vida em suspenso, o ser social que nos habita transformado em prisioneiro de uma distopia que ameaça, não apenas as nossas vidas presentes mas, sobretudo a forma como vamos encarar a vida e o nosso relacionamento com outro depois da pandemia.

Seremos capazes do gesto expontâneo, como latinos com o coração trespassando a pele, de abraçar os amigos sem temores? “Que saudades de um abraço”, escrevia a Ana Margarida de Carvalho na sua criativa quarentena. Será que conseguimos, depois do pesadelo, dar aos braços o seu ofício primordial; teremos o mesmo afecto, a mesma ligação ao Outro, sem medo, sem antes reciclarmos tudo o que de negativo, em termos humanos e civilizacionais, formos absorvendo ao longo destes dias, meses, quem sabe?

Se no cinema, ou no teatro, alguém tossir, como reagiremos, que memórias terríveis da peste nos assaltarão? Na América de Trump será provável que alguém puxe da arma e dispare contra o incauto que ousou constipar-se, ou ter uma breve irritação de garganta. Por cá, as armas não servem, felizmente, como resposta às nossas inquietações.

No entanto, sobre esta maleita que nos tomou de assalto, que herança nos irá deixar o COVID19. Que preço pagaremos?

Mais que o tempo da quarentena que nos retém em casa, são as sequelas que desse tempo, dessa absurda circunstância, permanecerão nos nossos tiques, nos nossos comportamentos, na nossa integração social. E os inimigos das liberdades duramente conquistadas estão muito atentos a esse próximo futuro.

Entretanto, percorro a estante e vou recomendarvos, como leitura ou releitura, alguns livros atravessados por um humor inteligente e substantivo, que vos podem ajudar a contornar a neurose e a esboçar algum sorriso. O humor é sadio e em tempo de cólera o humor (e o amor, como o fez Gabriel Garcia Marquez) é o melhor antídoto contra o desespero. “A humanidade levase demasiado a sério. É o pecado original do mundo. Se os homens das cavernas tivessem sabido rir, a História teria sido muito diferente”, disse-nos Oscar Wilde.

Alguns títulos: A Queda de Um Anjo, de Camilo Castelo Branco, O Conde de Abranhos, de Eça de Queirós, O Que Diz Molero, de Diniz Machado, Crónica dos Bons Malandros, de Mário Zambujal, Cadáveres às Costas, de Miguel Real, Jaime Bunda – Agente Secreto, de Pepetela e, já agora, o meu policial As Máscaras Sobre o Fogo.

Lembrem-se do Poema Sobre o Medo, do Alexandre O’Neill – não deixemos que ele, o medo, nos transforme em ratos. O medo não pode ter tudo.

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