Opinião

A Voz dos Livros

A Arte Poética, de Fernando Tavares Marques

O modo poético de Fernando Tavares Marques (actor e poeta), tem, logo como afirmação identitária, uma característica fecunda e hoje rara: é genuína. Uma poesia que, ao contrário das pessoanas derivações, não nos manda, a nós leitores, sentir: o poeta sente e investe no que escreve e, nessa intimidade conjuntiva do sentir, faz de nós cúmplices. E vai, na sua dispersão estética, às funduras do género percorrendo, até à contemporaneidade, vários estilos e influências, diversos modos de abordagem do fenómeno poético. Das “cantigas de escárnio e maldizer” (que, no expressivo teatral, percorre o pícaro vicentino), de que registo esse delirante (de humor, de ritmo, de excesso prosódico) que é “Fábula do Passarinho”, a lembrar, no seu desarmante final, a poesia satírica de João de Deus, até ao lirismo da mais pura água desse magnífico poema que é “Invenção de Mim”, que permitiu a Vitorino d’Almeida e a Carlos do Carmo um dos momentos mais altos do disco que os juntou a Maria João Pires. A poesia de Fernando T. Marques é, igualmente, uma poesia que acerta o passo, que está em consonância com o seu, dele e nosso, tempo, que o inquire, que nele mergulha para lhe denunciar o lodo, as inverdades, o sabujo acre que o invade. Poesia que é, mesmo quando se modela em lampejos íntimos, metafísicos harpejos, determinada, denunciadora, interventiva. Desde os poemas de 1975, nos quais o Eu se atravessa de modo conjuntivo – é o Nós que está presente -, e em grito de coragem e de afirmação se rebela contra as injustiças “Mas (a) ter a certeza de estar certo”, até aos poemas mais intimistas, da entrega e da dádiva. Poesia que, inevitavelmente, sofre influências várias (e quem delas estiver ausente, que atire a primeira pedra – somos todos “ladrões que roubamos a ladrões”) mas que se afirma pela sua expressividade, pela monódia, pelo ritmo febril que reside nesse modo de escrever, quase dialogal, de interacção discursiva, e muito teatral ou, pelo menos, ao Teatro, como arte da comunicação a partir da palavra, se atrela e destina. Tavares Marques escreve para dizer, daí que esta fala, a sua intrínseca orgânicidade, seja muito dizível, muito representável. Lemos os seus textos e apetece dizê-los alto, ou cantá-los (em sítio recolhido, claro, para não atiçarmos o humor cinzentão da vizinhança). Para isso contribui o modo de construção sintáctica de alguns dos versos, caso do poema “A Natação”, em que o vocábulo Nada se repete ao longo do texto, num jogo que se entrelaça exponencial no sentido dos versos anteriores; o poema “Beija-me na Boca”, que repete o verso até à desarmante explosão final – em que um corrosivo humor (marca identitária do Fernando, na qual a sua “arte poética” melhor se afirma), onde a sátira se estabelece desafio, denúncia e combate.

Impulsos & Motivações, de Fernando Tavares Marques, c/ilustrações de Fernando Bento – Edição Clube BP

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