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25 de Abril

O fascismo português torturou e matou

A revolução que derrubou a ditadura fascista celebra agora 48 anos, tantos como os que durou o regime que aterrorizou os
portugueses e os povos das ex-colónias. Durante meio século, as elites políticas e económicas do fascismo protegeram o seu poder
através do aparelho repressivo do Estado, institucionalizando a violência, o medo e a coerção como meios de perpetuar o seu jugo.

Alfredo Dinis (Alex), assassinado a 4 de julho de 1945, aos 28 anos.

Assassinatos

Foi na madrugada de 25 de abril de 1974 que milhares de soldados, conduzidos pelo Movimento das Forças Armadas, protagonizaram um levantamento militar que pôs fim à ditadura fascista, uma meta cujo alcance dependeu em grande medida de uma acumulação de lutas construídas durante 48 anos na mais absoluta clandestinidade. Todos os que lutaram pela liberdade fazem parte dela mas muitos não a chegaram a conhecer.

Segundo José Pedro Soares, da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), também ele ex-preso político, foram cerca de 200 os assassinados pelo regime fascista em Portugal. Estes dados constam de um trabalho de investigação que está a ser desenvolvido e que pretende detalhar os números reais do número de mortos pela ditadura e de presos políticos.

Neste grupo, encontra-se Alfredo Dinis (Alex), assassinado na manhã de 4 de julho de 1945, aos 28 anos de idade. Operário metalúrgico, de Lisboa, iniciou a sua atividade política e partidária contra a ditadura ainda muito jovem e era dirigente do PCP. Foi assassinado no lugar da Bemposta, na estrada que liga Bucelas a Sobral de Monte Agraço, quando se dirigia a um encontro clandestino de bicicleta. Foi atropelado por uma carrinha da polícia política de então a PVDE e depois alvejado até à morte.

Fizeram o mesmo a 19 de maio de 1954 com a trabalhadora agrícola comunista Catarina Eufémia. Usaram as balas para calar a luta pela liberdade em Baleizão, no Alentejo. O mesmo método foi utilizado pela PIDE para assassinar o artista plástico José Dias Coelho, dirigente do PCP e falsificador de documentos. No dia 19 de dezembro de 1961, os inspetores dispararam sobre Dias Coelho na antiga Rua da Creche, em Lisboa.

Em 1958, no dia 31 de julho, de acordo com a página do Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, o comunista Raul Alves foi atirado pela janela do terceiro andar da sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso. Segundo os agentes oficiais, teria sido suicídio. Várias pessoas foram testemunhas desta morte. Uma dessas pessoas foi Heloísa Ramos Lins, mulher do embaixador do Brasil, Álvaro Lins, que denunciou o assassinato ao cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira. “Não há motivo para ficar tão impressionada. Trata-se apenas de um comunista sem importância”, respondeu-lhe dias depois o Ministério do Interior.

Mas os assassinatos nem sempre ocorreram sob a forma de tortura ou arma de fogo. Em 1940, um dos líderes históricos do movimento anarcossindicalista, Mário Castelhano, morreu vítima de febre intestinal, agravada pela constante falta de assistência médica e medicamentosa, bem como pelas paupérrimas condições de higiene do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Foi neste campo de concentração que o então secretário- -geral do PCP, Bento Gonçalves, morreu de “febre biliosa hemoglobinúrica”, também por falta de cuidados médicos. Outro dirigente do PCP, Militão Ribeiro, morreu aos 54 anos, debilitado pelas sucessivas prisões tortura e falta de assistência médica. Uma doença pulmonar infeciosa foi fatal. Apesar da gravidade da doença, foi colocado em regime de isolamento durante nove meses sem acesso a cuidados de saúde. Escreveu uma carta com o próprio sangue a denunciar as autoridades e acabou por morrer em 1950. Quando morreu pesava 32 quilos.

Contudo, para além dos 200 homens e mulheres assassinados em Portugal, o regime fascista foi responsável por incontáveis mortes nas colónias contra os povos autóctones, nomeadamente em contexto de lutas laborais.

Só no Massacre de Batepá (S. Tomé, 1953) terão sido mortas 200 pessoas. Mas houve também repressões homicidas contra os trabalhadores portuários de Bissau (Massacre de Pinjiguiti, 1959), contra os trabalhadores rurais da Companhia Geral dos Algodões de Angola (Revolta da Baixa do Cassanje, 1961), entre outros.

Tortura

Segundo a historiadora Irene Pimentel, “Álvaro Cunhal contou que, da primeira vez em que foi preso, nos anos trinta do século XX, o colocaram, algemado, no meio de uma roda de agentes, onde foi espancado a murro, pontapé, cavalo-marinho e com umas grossas tábuas. Depois, deixaram-no cair, imobilizaram-no no solo, descalçaram-lhe os sapatos e meias e deram-lhe violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando o levantaram, obrigaram-no a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltaram a espancá-lo. Isto repetiu-se por numerosas vezes, durante largo tempo, até que perdeu os sentidos, ficando cinco dias sem praticamente dar acordo de si”.

Nesse período, entre os anos 30 e 40, a forma mais habitual de tortura eram os espancamentos, acompanhados da tortura da estátua, em que o detido tinha de estar de pé durante longas horas virado para uma parede. Sempre que caía, os agentes pontapeavam-no.

Ao longo das décadas, as formas de tortura foram sendo apuradas e mais diversificadas. Em 1961, Octávio Pato foi impedido de dormir durante onze dias e onze noites, de uma vez, e sete dias e sete noites, noutra, com um pequeno intervalo de dois ou três dias. Esta técnica era ainda mais dura para o detido devido ao desgaste físico e psicológico.

De acordo com Irene Pimentel, a polícia política portuguesa começou efetivamente a aperfeiçoar “cientificamente” os seus métodos de tortura, a partir do final dos anos cinquenta, em contacto com serviços secretos e polícias de outros países, nomeadamente os norte-americanos da CIA.

Nobre de Melo, autora de um livro sobre mulheres portuguesas na resistência ao fascismo, escreveu sobre o caso de Olímpia Brás, do Couço, espancada por duas agentes da PIDE até ficar com o braço completamente negro. Como não gritou ou chorou, uma das agentes bateu- -lhe com a cabeça contra a parede. Depois, ficou sentada num banco, no meio da sala, sem se encostar, revezando-se os agentes, que chegaram a ser vinte, para não a deixarem dormir, durante horas e horas, com ameaças, insultos e humilhações. Ao fim de três noites, entrou o inspetor Silva Carvalho, avisando-a que seria despida, se não falasse. As agentes Madalena e Assunção deixaram-na nua, batendo-lhe a primeira agente com um cassetete no peito esquerdo, que ficou negro de repente.

A resistência das mulheres nas prisões fascistas e os métodos específicos de tortura de que foram alvo – através de menorização moral (que jogava metodicamente com a condição feminina da época) e a violência sexual – é uma história que precisa de continuar a ser desenterrada. Muitas foram as mulheres que morreram sem nunca terem tornado públicos os episódios a que sobreviveram, mas por aquelas que falaram, conseguimos antever a ponta deste iceberg. Conceição Matos, militante comunista, presa quando estava na clandestinidade, testemunha: “Tantas vezes tentei fazer as minhas necessidades quantas fui interrompida pela entrada dos «pides» e acabei mesmo por me aliviar na sua presença. O meu estado de tensão era tal que à mistura com aquilo tudo, fartei-me de vomitar. Foram-me despindo aos poucos e tentaram obrigar-me a limpar a porcaria com a minha roupa. Opus-me terminantemente e tiveram eles que ensopar os excrementos e a urina na minha roupa e arrastar tudo pela sala em direcção à casa de banho. O Tinoco provocava-me de forma mais coesa, ofendendo-me na minha dignidade de mulher. Eu já estava em combinação”.

Muitos camaradas nossos foram selvaticamente torturados: com espancamentos brutais durante horas e horas a cavalo-marinho e com grossas tábuas, apertos de testículos, queimaduras com faíscas eléctricas e com cigarros, pancadas brutais na planta dos pés descalços, etc. Nos últimos anos, a polícia tem vindo a redobrar de brutalidade nos espancamentos; muitos camaradas saem dos interrogatórios com o corpo negro e a sangrar, alguns mesmo com fracturas depois das horas seguidas de cruéis espancamentos a cassetete e cavalo-marinho; as mulheres já não são poupadas às brutalidades e algumas têm sido despidas e chicoteadas pelos bandidos da PIDE. Durante dias seguidos, os presos são submetidos a uma tremenda pressão nervosa pela polícia, que os impede de dormir, os maltrata continuamente e os ameaça de morte (…)

Álvaro Cunhal

Presos políticos

O número de presos políticos em Portugal estima-se em cerca de 30 mil. Segundo José Pedro Soares, a contagem é um trabalho que exige rigor e investigação. Recorda que antes de 1933 não havia política política e que as prisões eram feitas pela PSP ou GNR. Há dois anos, ao Polígrafo, o historiador Fernando Rosas, refere isso mesmo ao indicar que “a contabilização precisa do número dos presos políticos desde a instauração da ditadura militar em 28 de maio de 1926 até ao 25 de abril é difícil devido ao facto de até 1934 haver várias entidades (Exército, PSP, GNR, polícia política, etc.) a realizar prisões políticas e não haver informação estatística específica e centralizada. Ela inicia-se com a criação (em 1933) e efectivo funcionamento da PVDE (a antecessora da PIDE) a partir de 1934”.

A esse propósito, o historiador recorda que foram feitos vários cálculos a partir de fontes militares e da contagem dos registos de entrada na PVDE, na PIDE e na DGS que apontaram para pelo menos 30 mil presos políticos.

José Pedro Soares recordou à A Voz do Operário que, ainda assim, há muita gente que pode não ter sido contabilizada e lembrou as detenções em massa pelo regime. “Lembremos os milhares de estudantes detidos na luta estudantil mas também os muitos presos que foram metidos em praças de touros como aconteceu em Vila Franca de Xira, em Montemor o Novo e no Campo Pequeno, em Lisboa”, afirmou.

Em relação às prisões, este ex-preso político sublinhou as mais emblemáticas do regime fascista: Angra do Heroísmo, Aljube, Porto, Caxias, Forte de Peniche e Campo de Concentração do Tarrafal.

Censura

Apesar das promessas de que a jovem ditadura não iria tornar permanente a censura à imprensa, a verdade é que veio para ficar. O objetivo era silenciar qualquer crítica ao novo regime. Menos de um mês depois do golpe militar de 28 de Maio, a 22 de junho de 1926, foi instituída a Censura Prévia, tido como medida transitória. Dois dias depois, os jornais apareciam com a seguinte mensagem: “este número foi visado pela Comissão de Censura”.

Para terem autorização para a sua impressão, os jornais eram obrigados a enviar quatro provas de cada página para a comissão.

É em 1933, com a instauração da constituição fascista, que a Censura Prévia é legalmente instituída e as Comissões de Censura passam do Ministério da Guerra para o Ministério do Interior.

São muitos os exemplos de censura ao longo das décadas mas também de encerramento de jornais e prisão de jornalistas. Entre eles, A Voz do Operário, que foi objecto do corte de artigos através do lápis azul. Segundo o Museu da Imprensa, a 17 de Agosto de 1936, a Censura corta integralmente a última crónica de Mário Neves para o “Diário de Lisboa”, sobre a Guerra Civil de Espanha. Enviada telefonicamente de Badajoz, ela só viria a ser divulgada em Portugal depois do 25 de Abril.

Em janeiro de 1947, dez anos depois, é o próprio Salazar que repreende por escrito os serviços centrais da Censura por terem sido brandos com o semanário “Agora” que, além de uma suspensão, ficou sujeito a provas de página. Salazar queria maior dureza: “mais valia ter alargado a suspensão”, escreveu ele, como se pode ler na “História da Censura em Portugal – contributos para uma cronologia”.

Mas a censura não visava apenas a imprensa. A Sociedade Portuguesa de Escritores foi assaltada pela PIDE, na noite de 21 de Maio, na sequência da atribuição do Grande Prémio de Novela ao autor de “Luanda”, o escritor angolano Luandino Vieira, que se encontrava preso no Tarrafal por motivos políticos.

Na noite de 24 para 25 de Abril, a censura continuou a trabalhar e fez vários cortes. Várias notícias sobre o movimento dos Capitães de Abril foram censuradas, mesmo de madrugada. Até ao fim, o regime fascista não deixou de perseguir quem trabalhava na imprensa. A dois dias da revolução, a PIDE levou a cabo uma das últimas vagas de prisões contra jornalistas. À A Voz do Operário, um desses detidos, Fernando Correia, do Diário de Lisboa, recorda que foi à volta de uma dezena e de vários órgãos de comunicação social, entre os quais o seu, o República e a agência France Press. Para o Diário de Lisboa, acabou por escrever uma crónica sobre a revolução vivida na prisão.

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