Voz

Sem esquecer o passado, de olhos postos no futuro

Desde que surgiu, em 13 de fevereiro de 1883, A Voz do Operário mantém viva a ligação à cidade de Lisboa e à população. Ao longo da história, a instituição que foi erguida com o esforço coletivo dos trabalhadores nunca abandonou as raízes. Quatro anos depois da fundação do jornal com o mesmo nome por operários tabaqueiros, eram lançadas à terra as sementes deste projeto coletivo. A exigência financeira que implicava a manutenção do jornal levou a que os trabalhadores procurassem formas de garantir a continuidade da publicação.

Ilustração de Patrícia Guimarães

A Sociedade Cooperativa A Voz do Operário, como começou por se chamar, inscrevia nos seus primeiros estatutos as metas a alcançar: “estudar o modo de resolver o grandioso problema do trabalho, procurando por todos os meios legais melhorar as condições deste, debaixo dos pontos de vista económico, moral e higiénico”; “estabelecer escolas, gabinete de leitura, caixa económica e tudo quanto, em harmonia com a índole das sociedades desta natureza, e com as circunstâncias do cofre, possa concorrer para a instrução e bem-estar da classe trabalhadora em geral e dos sócios em particular”. Para tanto, os 316 sócios de então comprometiam-se a pagar uma quota semanal de vinte réis, quantia que retiravam dos seus humildes salários.

Da instituição que atravessou três séculos, fizeram parte mulheres e homens que combateram a monarquia, que defenderam os sindicatos durante a convulsão social durante a República, que resistiram ao fascismo e pagaram com a prisão, que levantaram a bandeira da revolução de Abril e que lutam, hoje, por uma sociedade mais justa, sem exploradores nem explorados.

Uma instituição que pulsa vida

Longe de definhar, A Voz do Operário constrói-se com as mãos dos que dela fazem parte, sem abdicar dos princípio fundacionais, de olhos postos no futuro. Se é certo que a maioria das pessoas conhece a instituição pela oferta educativa, pelo seu jornal e pela marcha infantil, A Voz do Operário é tudo isso e muito mais. É uma casa onde cabem todas as idades.
Disso é exemplo o senhor António, de 92 anos, que escreve numa folha de papel uma mensagem de parabéns em que explica que estar no Centro de Convívio é “uma bela camaradagem”. Outra utente recorda que foi através d’A Voz do Operário que encontrou novos amigos num lugar onde a solidão não entra. O Centro de Convívio d’A Voz, aberto durante os dias úteis, contribui para o envelhecimento ativo dos sócios maiores de 55 anos. Esta resposta desenvolve junto dos seus utentes um leque alargado de actividades que, de acordo com os interesses e preferências dos que nelas participam, procuram promover a participação, convivência e integração social, ao mesmo tempo que contribuem para a manutenção das suas capacidades cognitivas e motoras.

O cabeleireiro social e o balneário são outras das valências da instituição que estão disponíveis à comunidade. Entrar n’A Voz do Operário é assistir a um corropio de gente que entra e sai para inúmeras atividades. Seja para um ensaio de gaita de foles, para um jogo de futsal ou uma peça de teatro, as pessoas que dão corpo a este projeto são o coração d’A Voz.

Mas fora de portas também há A Voz do Operário. A instituição dispõe de um Serviço de Apoio Domiciliário que procura auxiliar as pessoas em situação de dependência na satisfação das suas necessidades básicas. Com anos de experiência, A Voz do Operário presta um conjunto de serviços no domicílio habitual de vida dos utentes, promovendo a continuidade da sua autonomia e prevenindo o agravamento das suas situações de dependência.
A Voz do Operário caminha de pés bem assentes no chão do presente, de olhos postos no futuro, sem nunca esquecer o seu passado. Hoje, como ontem, há muitas e boas razões para abraçar este projeto e fazer parte de um imenso coletivo de mulheres e homens determinados a continuar a semear um porvir de justiça social e progresso.

Da instrução à diferenciação

No momento em que celebramos 137 anos de história institucional, celebra-se também um trajeto educativo que, ao longo dos anos, se tornou a mais forte imagem d’A Voz do Operário.

Quando as primeiras escolas d’A Voz do Operário surgiram, eram uma das poucas respostas educativas existentes para os filhos dos trabalhadores. Naquele tempo, era prioridade para quem dirigia a nossa instituição que os filhos da classe operária se apropriassem das ferramentas intelectuais que a escola proporcionava, mas que o país ainda não garantia. A leitura, a escrita, o cálculo aritmético, sendo competências historicamente desenvolvidas para assim facilitar e optimizar o processo de exploração da classe trabalhadora, eram já vistas n’A Voz do Operário como alavancas para o aprofundamento de uma consciência de classe, cujo caminho passaria obrigatoriamente por ler e escrever e assim elevar a capacidade de discutir, reivindicar e lutar. Ainda assim, imperava a lógica de instrução, da transmissão unidireccional de informação, do professor para o aluno.

Hoje, mais de 100 anos de história passados, o percurso educativo d’A Voz do Operário sofreu significativas mudanças. A lógica de instrução deu lugar ao paradigma da diferenciação. A perspectiva da permanente cooperação, de aprendizagem partilhada, da apropriação do mundo enquanto espaço coletivo, construído por todos, partindo da experiência de cada um, possibilitou a criação dos alicerces sobre os quais uma conceção de democracia passou a estar profundamente enraizada no conceito de participação e não apenas de escolha. De criação e não apenas de produção. De superação e não apenas de adaptação. Esta mudança estrutural foi assim um avanço fundamental para que a experiência das crianças n’A Voz do Operário contribuísse para a construção de um mundo mais próximo do sonho.

Não obstante o caminho feito, nos dias de hoje existem ainda imensos obstáculos e contradições para ultrapassar. Se a necessidade de superação da sociedade em que vivemos se mantem tão premente como sempre, torna-se imperativo um trabalho educativo sediado no aprofundamento da consciência de classe de todos os que diariamente partilham este espaço coletivo que, há 137 anos, deu Voz a quem trabalha.

Artigos Relacionados