Restaurantes, cabeleireiros, feirantes, farmácias, taxistas, mercearias e oficinas de automóveis são alguns exemplos de micro, pequenas e médias empresas. Num país em que compõem cerca de 90% do tecido económico no país, enfrentam uma pandemia sanitária que ameaça transformar-se numa epidemia de insolvências e despedimentos se nada for feito.
Durante praticamente três meses, boa parte das empresas foi obrigada a restringir a sua atividade devido ao novo coronavírus e com parte da população confinada o consumo baixou de forma abrupta. Se os grandes grupos económicos tinham capacidade para aguentar o embate, foram muitos os pequenos e médio empresários que se viram com a corda na garganta frente ao contexto económico imprevisível num mundo à espera de uma saída para a pandemia.
Cinco meses depois do anúncio das primeiras restrições em Portugal, o alívio das medidas de contingência parece ser insuficiente para travar a queda dos números da economia. De acordo com o Eco, durante os primeiros seis meses do ano, 1313 empresas declararam insolvência, o que representa um crescimento de 2% face ao período homólogo. As empresas insolventes representam um volume de negócios superior a 550 milhões de euros, de acordo com dados da COSEC, e as insolvências registadas representam uma perda potencial de 10.803 postos de trabalho, que ocorreram essencialmente em micro e pequenas empresas, com foco no setor dos serviços. Ficam cerca de 172 milhões de euros de créditos a fornecedores por regularizar, acrescentou o mesmo jornal.
Geograficamente, o maior número de insolvências foi registada no Porto (25,1%, contra 27,2% no primeiro semestre de 2019), seguido de Lisboa (20,3%, contra 17,3%) e do distrito de Braga (13,3%, contra 13,2%). Por área, o setor dos serviços continua a liderar em número de insolvências, com 306, seguido do setor da construção (14,4%), com um total de 189 empresas insolventes e o setor do retalho (13,1%), com 172 insolvências. Já os empresário em nome individual (ENI), registaram-se, no primeiro semestre de 2020, 148 insolvências, o que corresponde a 11% do total do número total em Portugal.
Outro dado que ilustra o impacto da pandemia e a ineficácia do governo é o decréscimo do número de empresas criadas em relação ao ano anterior. Segundo o Observatório Infotrust, até maio deste ano, foram criadas em Portugal 17.503 empresas, o que representa um decréscimo de 35%.
Uma luta pela sobrevivência
Jorge Pisco é presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME) e é uma das principais vozes do setor. À frente de uma estrutura que tem mais de 20 mil filiados, vê o futuro “muito cinzento” se nada for feito. No princípio de julho, centenas de pequenos e médios empresários juntaram-se no Seixal numa conferência sob o lema “No pós pandemia, que futuro para as micro, pequenas e médias empresas?”. Nesse momento, decidiram partir para a luta.
“Foi muito positivo”, considerou Jorge Pisco. A CPPME elaborou uma carta dirigida aos diferentes órgãos de soberania em que mete o dedo na ferida. “Logo na primeira quinzena deste ano, apresentámos ao governo, aos partidos políticos, à Assembleia da República e aos seus grupos parlamentares e comissões, ao Presidente da República, aos órgãos de comunicação”, um conjunto de medidas, enuncia o documento. De acordo com a confederação, “as propostas convergiam e coincidiam” com aquelas que foram sendo avançadas “pelas federações e associações empresariais dos diversos setores e integravam o essencial das reclamações concretas que milhares de empresários nos iam fazendo chegar”. Mas o facto é que em termos práticos, pouco daquilo que defendiam “se concretizou”.
Em maio, a confederação denunciava que a Linha Capitalizar Covid-19 não era a solução e que era um “engano”. Ou “são precisos preencher dezenas de páginas nos formulários, ou são preciso garantias patrimoniais, ou está para aprovar, ou está esgotada, ou estando aprovada o banco não disponibiliza o dinheiro”, descrevia assim toda a gincana burocrática para aceder ao apoio do Estado, com o agravamento de todas as medidas publicadas até então manterem o “travão geral da não existência de dívidas ao fisco e à Segurança Social e de incumprimentos bancários”. Então, a CPPME apontava o dedo à discriminação e dava exemplos: “o apoio às livrarias, exigência de que sejam pessoas coletivas, discriminando os empresários em nome individual; Programa ADAPTAR, exigência de contabilidade organizada, discriminando os empresários com contabilidade simplificada; sócios-gerentes – estabelecendo um tecto de 80 mil €”, que deixou de fora milhares de empresários”.
Para Jorge Pisco, o cenário que se avizinha é bastante complicado. “Muita gente está a pensar no que fazer à vida, o que fazer com os seus trabalhadores, face às quedas abruptas”. Diz que neste momento o comércio está a funcionar “mas não tem clientes”. Aponta a desilusão do mês de julho no turismo quando ainda havia alguma expetativa de melhoria. Mas não. “Nota-se o receio das pessoas”. E os problemas avolumam-se e rebentam pelas costuras. Fala num sem número de casos problemáticos. Das empresas de montagem de stands em feiras aos eventos que não acontecem e que deixam a faturação a zeros numa série de pequenos negócios.
Outra das denúncias prende-se com a política de assédio por parte dos bancos para aliciar os pequenos e médios empresários. Esta é uma das queixas enviada ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro. Falam em desespero porque a precisar de liquidez os bancos demoram a dar resposta e quando a dão vêm dizer que “as linhas de apoio, a custos baixos e com aval do Estado, já estavam esgotadas”, mas se quisessem podem aceder a financiamentos de linhas do próprio banco, com custos “um bocadinho” mais elevados e “tendo que apresentar garantias ou reforçar as já existentes”. Jorge Pisco acusa os bancos de fazerem o que querem.
“O governo não está a fazer o que é preciso”, afirma. Entre as muitas críticas, denuncia que os apoios para criar as condições necessárias à reabertura “foram de um montante [de tal forma baixo], que em meia dúzia de dias estavam esgotados” e revela que há empresários que pediram lay-off em março que ainda não receberam qualquer verba desse apoio.
Dar voz ao desespero na rua
Os empresários das micro, pequenas e médias empresas protestaram na quarta-feira, 22 de julho, junto à Assembleia da República, contra as medidas insuficientes para fazer face à crise criada pela pandemia do novo coronavírus. Os manifestantes deram voz ao desespero e às enormes dificuldades por que passam. Jorge Pisco deu o exemplo da associação de eventos que estava a recolher comida para apoiar muitos dos empresários e trabalhadores. O protesto que levou as reivindicações às portas do parlamento foi também mais um momento para exigir a criação de Fundo de Tesouraria com juros a custo zero e um período de carência alargado. Outra das medidas de maior urgência para os pequenos e médios empresários é a aplicação imediata das decisões vertidas no Orçamento Suplementar.
Outras propostas da CPPME
• Criação, com urgência, de uma medida compensatória que enquadre, sem qualquer restrição, um apoio aos sócios gerentes, com carreira contributiva para a Segurança Social;
• Reforço da Linha de Apoio à economia – Covid19, com aval do estado – para os sectores, que foram dos primeiros a parar e serão dos últimos a retomar;
• Pagamento urgente das dívidas do Estado às Empresas, com prioridade às Micro e Pequenas Empresas;
• Isenção do pagamento das rendas às atividades económicas das micro e pequenas empresas, fora e dentro do centros comerciais, com apoio compensatório aos pequenos senhorios;
• Suspensão do Pagamento por Conta (PPC) a pagar em 2020;
Candidatura ao Conselho Económico e Social
À Voz do Operário, o presidente da CPPME deu a conhecer que a estrutura que dirige se vai candidatar, uma vez mais, ao Conselho Económico e Social (CES). Atualmente, têm assento neste órgão constitucional de consultal oito representantes das organizações empresariais, a designar pelas associações de âmbito nacional, mas até agora a CPPME tem ficado de fora. A intenção dos pequenos e médios empresário da confederação é levar a voz deste importante setor económico à concertação social.
O CES é um órgão que tem por principais objetivos, de acordo com a legislação, a promoção da participação dos agentes económicos e sociais nos processos de tomada de decisão dos órgãos de soberania, no âmbito de matérias socioeconómicas, sendo, por excelência, o espaço de diálogo entre o governo, os parceiros sociais e restantes representantes da sociedade civil organizada.