Cova da Moura: “Este não é o julgamento da PSP”

Acusados de mentir, sequestar, torturar, insultar e espancar seis jovens da Cova da Moura, os 17 polícias que falsificaram os autos de notícia e em tribunal mantêm a versão quer da invasão à esquadra de Alfragide, quer que o apedrejamento de uma carrinha da PSP esteve na origem da detenção do rapper Bruno Lopes, confiam na absolvição. Três anos e 90 testemunhas depois, o Tribunal de Sintra marcou a leitura da sentença para 30 de abril. Nas alegações finais, o Ministério Público deixou cair as imputações mais graves. O procurador Manuel das Dores manteve a acusação de ofensas à integridade física, injúrias e falsificação de documentos contra nove dos 17 arguidos, entre os quais o chefe da esquadra. Nem o sangue, nem os relatórios médicos que comprovam traumatismos cranianos, hematomas, escoriações e contusões convencem o magistrado. Deixou cair o crime de tortura porque, defende, “é preciso um sofrimento maior”. Citou convenções internacionais para dizer que, do seu ponto de vista, nenhum dos episódios relatados de viva voz pelas vítimas representou sofrimento atroz. “Não estamos na presença de um tal grau de severidade. Era preciso que os indivíduos estivessem mais suportados nas lesões que apresentam”, justificou referindo-se ao caso de Rui Moniz, que com o braço direito paralisado devido a um AVC, para sua perplexidade, deu entrada no hospital, apenas, com uma luxação na coluna. Manuel das Dores deitou por terra outro ponto da investigação, sem precedentes no país do DIAP da Amadora que, em parceria com a Unidade Nacional de Contra Terrorismo da Polícia Judiciária concluiu que os polícias foram movidos por ódio e racismo. Pôs em causa a credibilidade das vítimas. Injúrias como “a raça africana tem de desaparecer”, “vai para a tua terra”, “se eu mandasse eram todos esterilizados” ou “era preciso um Salazar”, não agravam, no entender do procurador, nenhum dos crimes imputados aos arguidos. Nem o crime de sequestro, nos moldes em que foi apresentado pela investigação e desmontado por 20 testemunhas, resistiu intacto ao último pronunciamento do MP. Apesar de dar como provada que a detenção de Bruno Lopes, no bairro da Cova da Moura, foi ilegal, acredita que os acontecimentos que se registaram na esquadra, onde as vítimas ficaram detidas “de cara no chão” durante 48 horas não são claros.

Admite que os jovens que se dirigiram à esquadra para saber do amigo “iam indignados com o que aconteceu, principalmente com os disparos feitos contra pessoas do bairro” e, embora admita que os polícias mentiram quando descreveram a aproximação de um grupo de mais de 20 com pedras na mão, sustenta que a “atitude hostil” pode ter precipitado o que a advogada das vítimas descreve como “tratamentos desumanos, vexatórios, racistas e ilegais”. Pede a condenação dos agentes da PSP por todos os crimes de que estão acusados num “sinal sério e inequívoco de intolerância de práticas semelhantes no seio de instituições cuja missão as obriga a ser defensores da legalidade e dos direitos de todos os cidadãos”. O MP diz que “este não é um julgamento da PSP nem da esquadra de Alfragide e este procurador não faz leituras políticas nem sociológicas do que aconteceu”, para regozijo da defesa dos polícias que elogia o magistrado por ter dado o benefício da dúvida aos arguidos e pelo superintendente chefe do Comando da PSP de Lisboa que, “sem comentários” assistiu à ultima sessão das alegações finais. Presidido por Ester Pacheco, o coletivo de juízes pronuncia-se no último dia de abril. Vítimas e arguidos podem recorrer. Em última instância o caso pode chegar ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos caso os envolvidos não concordem com a decisão das instâncias que podem seguir-se, nomeadamente o Tribunal da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional. Tudo aconteceu a 5 de fevereiro de 2015, quando um jovem foi abordado durante um ronda policial. “Tás-te a rir de quê, macaco?”. Detido e agredido num episódio, onde três mulheres foram feridas por disparos de bala de borracha, não teve direito à intervenção dos elementos da Associação Moinho da Juventude, distinguida na Assembleia da República pelo combate ao racismo. Foram à esquadra para tentar mediar e esclarecer a detenção e acabaram, dizem, numa cena de barbárie. 

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