Sociedade

Habitação

O direito à habitação – Conquista da revolução de Abril

Fotograma: As Operações SAAL, de João Dias

No ano em que se comemora o 50º aniversário do 25 de Abril de 1974, imperioso se torna reflectir sobre este tema, este direito social, tão claramente garantido na Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976, nascida da Revolução de Abril.

No n.º1 do artigo 65º, pode ler-se: (1.) Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

Ao tempo: 

– cerca de 25% da população, vivia sem condições mínimas de habitabilidade, em bairros de barracas

e habitações degradadas;

– 52%, dos alojamentos existentes, não possuía abastecimento de água potável;

– 53%, não possuía energia eléctrica;

– 60%, não possuía rede de esgotos;

– estimava-se então, em 600/700.000, o número de habitações em falta.

O Programa do Movimento das Forças Armadas (PMFA), que foi Lei Constitucional até à entrada em vigor da CRP de 1976, em 25 de Abril de 1976, determinava de forma explícita, no ponto 6. do capítulo B- Medidas de curto prazo: “6. O Governo provisório lançará os fundamentos de: …b) Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa das classes trabalhadoras e o aumento progressivo mas acelerado, da qualidade de vida de todos os Portugueses.”

E é neste contexto que logo o I Governo provisório, confrontado com a crueza da realidade e com as reivindicações dos moradores, por um lado, e com o agravamento da crise do sector da construção civil, por outro, responde com um conjunto de programas estatais, com um duplo objectivo: construir habitação condigna para todos e garantir a recuperação do sector da construção civil, enquanto sector base, dinamizador dum imenso leque de actividades subsidiárias e um dos principais geradores de emprego.

Vai caber ao Fundo de Fomento da Habitação (FFH) a concretização desta estratégia, através dos seus programas de promoção directa e dos novos programas designados por: Apoio às Cooperativas de Habitação, Contratos de Desenvolvimento para a Habitação e Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL).

Os resultados não se fizeram esperar

O apoio às cooperativas de habitação, deu um grande contributo para a desobriga do Estado da sua responsabilidade em garantir habitação condigna para todos, e são muitos os bairros construídos, um pouco por todo o país, por esta via, que entretanto se foi esfumando na lógica das políticas de direita voltadas para a recuperação da especulação fundiária e mobiliária.

Os Contratos de Desenvolvimento para a Habitação, cumpriram os seus objectivos, lançando no mercado muitos milhares de habitações, a preços controlados e dando importante contributo para a melhoria da situação económica do país, com a reativação do sector da construção civil.

O SAAL, vocacionado para as populações mais desfavorecidas, pressupunha a organização interna em Associações de Moradores e/ou, Cooperativas de Habitação – com apoio estatal em terreno, infraestruturas e financiamento e garantindo ainda, quando possível, o realojamento no próprio local ocupado pelos bairros degradados – assumiu, durante o período revolucionário, ao qual não sobreviveu, uma dinâmica notável. 

Foi um esforço financeiro enorme que o Estado Português assumiu, com todos estes programas e com os diferentes esquemas de apoio à construção de habitação que, no caso do SAAL, possibilitava ainda financiamento a fundo perdido. Pelas suas características inovadoras enquanto metodologia de intervenção — os projectos e em alguns casos as obras, eram desenvolvidos com envolvimento das próprias populações — e pela dinâmica revolucionária que gerou, o SAAL tem sido objecto de muitos estudos, teses de mestrado e doutoramento, livros, documentários e filmes (“Habitação um desafio”, de Fernando Lopes, “Continuar a viver / Os índios da Meia Praia”, de A. Cunha Teles e “Operações SAAL”, de João Dias). Segundo dados retirados do Livro Branco do SAAL, em final de 1976 – coincidindo com a extinção do SAAL e a integração nas Câmaras Municipais dos respectivos processos — o SAAL registava 41.665 famílias envolvidas, com 170 operações iniciadas.

Se agora nos lembrarmos que a situação internacional, na altura (1974 e1975), era de depressão económica generalizada e que, também na mesma altura, houve que alojar e integrar 650.000 cidadãos retornados das ex-colónias, mais nos capacitamos da dimensão e justeza das medidas então corajosamente assumidas pelo poder revolucionário.

Ao contrário do que alguns propalavam, na altura, a situação económica portuguesa, no início de 1976, apresentava-se “surpreendentemente saudável”, nas palavras escritas em Relatório insuspeito, patrocinado pela OCDE. 

Hoje, deparamo-nos com um quadro muito diferente do herdado do regime fascista:

– abastecimento de água potável, electricidade e saneamento básico garantido a praticamente toda a população;

– inferimos, pela existência de algumas centenas de milhar de habitações devolutas, não haver habitações em falta para se cumprir o imperativo constitucional de garantir a todos o direito à habitação.

E no entanto, por força de 48 anos de políticas orientadas para considerar a habitação como uma qualquer mercadoria, na lógica neoliberal dominante, o acesso a uma habitação condigna é hoje cada vez mais difícil, em particular para os jovens. E, paira sobre grande parte das famílias portuguesas a ameaça de ficarem sem casa por não poderem suportar o custo das prestações à Banca, ou as rendas a pagar aos senhorios, brindados estes entretanto com a desregulação do mercado de arrendamento e com o despejo fácil, fora dos tribunais. 

O que faz falta, é um novo rumo para que Abril se cumpra.

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