A luta por melhores condições de trabalho nos supermercados

Mais de 100 mil em Portugal, os trabalhadores das grandes superfícies comerciais debatem-se com problemas laborais que fazem deste setor um dos pior pagos do país.  Os lucros de milhões das empresas que detêm os supermercados a que a maioria da população recorre regularmente não se refletem nos bolsos de quem trabalha. Neste muro de ganância, a coragem de quem luta é uma bandeira de dignidade.

Assim que souberam que Pedro Santos (nome fictício) se recusava a trocar a folga, como a empresa dizia precisar, o responsável de loja no Supercor da Beloura e o diretor de recursos humanos fecharam-no no cofre do supermercado durante horas. O trabalhador alegou que era o seu dia de descanso e que tinha coisas combinadas naquele fim-de-semana com a família. Encerrado, foi coagido de todas as formas. Primeiro, tentaram convencê-lo que o iam despedir perguntando-lhe por quanto é que se ia embora. Depois, ameaçaram-no com pô-lo a fazer noites de forma permanente. E acabaram a dizer que o iam transferir para a loja mais longe de casa.

João Pedro Morais (nome fictício) começou a sentir que algo de estranho se passava quando sentiu que as chefias implicavam consigo por situações pelas quais não reagiam da mesma forma com outros colegas seus. Depois, começou a aperceber-se que todos os seus horários eram controlados à procura da mínima falha. Não tardou que começassem a chover os insultos numa falta de respeito que nunca achou ser possível existir contra alguém que trabalha no El Corte Inglés há anos. Criou-se um ambiente de intrigas para desprestigiar João com mentiras que tinha quase a certeza que partiam dos seus responsáveis e acabou num isolamento em que praticamente nenhum outro trabalhador se atrevia a comunicar sem ser pelo estritamente necessário. O ambiente infernal deixou-o de tal forma ansioso que percebeu que precisava de pedir ajuda. Foi à Autoridade para as Condições do Trabalho, sindicalizou-se no Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) e percebeu que aquilo que lhe estava a acontecer era assédio e que é frequente no seu local de trabalho para forçar os trabalhadores mais antigos ao despedimento.

Apesar de ter uma indicação de vários especialistas para ser submetida a uma intervenção cirúrgica, Carla Osório chegou ao médico do seguro que diz que lhe vai dar alta. Estupefacta, a trabalhadora do Continente recusa-se a assinar os papéis apesar do pedido do profissional de saúde. Responde-lhe que não tem de assinar qualquer documento e o médico admite que tem ordens de cima para lhe dar alta.

Organizar a luta

Estas são algumas das denúncias que Elisabete Santos, Francisco Duarte e Sofia Silva receberam nos últimos tempos. Os dirigentes e delegados sindicais do CESP denunciam que há trabalhadores a ir de muletas para as lojas onde exercem as suas funções de pé durante oito horas resguardados dos olhares dos clientes em secções como a padaria ou o talho. 

Como trabalhadores da grande distribuição, para além da falta de condições, sofrem na pele também a sua condição de sindicalistas. 

“Tenho 25 anos de casa e estou na loja do Pingo Doce do shopping de Miraflores e vou trabalhar na primeira semana de cada mês. Não quero perder o elo de ligação com os meus colegas nem com a formações que vão sendo dadas”, afirma Elisabete. É operadora de supermercado especializada na charcutaria. Sorri e diz que já podia ser gerente de loja. “Já me fizeram várias propostas, podia ter um salário melhor mas para isso queriam que deixasse o sindicato”, conta.

Distante da imagem propalada pelos principais órgãos de comunicação social sobre os ativistas sindicais, nenhum deles abdica de trabalhar e não há qualquer vantagem pessoal para quem abraça o sindicalismo, explicam. Francisco é trabalhador há 25 anos do Minipreço e vai várias dias por mês ao seu local de trabalho em Campo de Ourique. O mesmo faz Sofia que é operadora no El Corte Inglés desde que abriu há 18 anos. “Dizem na imprensa que temos tachos e salários extra e é mentira. Nós damos a cara pelos colegas e levamos com represálias. Não somos aumentados, não temos direito a prémios e ficamos estagnados. Tudo porque somos ativos sindicalmente. Contudo, posso dizer que sinto que sou muito apoiada pelos meus colegas. Quando estou na loja reconhecem no sindicato, através de mim, o que vamos conseguindo melhorar. Ainda que às vezes pareçam coisas minúsculas, eles dão valor. Sinto-me muito acarinhada. Nem sempre é fácil. Não temos um botão em que desligamos os problemas e vamos para casa. Tudo o que os afeta também nos afeta e muitas vezes temos de resolver problemas nas nossas folgas porque há um trabalhador que está aflito. Eu sinto-me gratificada por este trabalho sindical e pelas pequena vitórias”, descreve.

Tanto a mudar

“Os trabalhadores dos supermercados têm horários muito abrangentes. Desde as sete da manhã, muitas vezes, e estica até às 22, 23 ou 24 horas”, denuncia Francisco Duarte. “Um casal que não tenha ninguém para tomar conta dos filhos tem muitas dificuldades porque as creches fecham às 19 ou 20. Há uma grande dificuldade para conciliar a vida familiar e laboral. Quem trabalha num supermercado hoje em dia deixou de ter vida social”.

Elisabete diz que com o banco de horas no Pingo Doce há horas extraordinárias para as quais são avisados “em cima da hora: olha faltou uma colega e vais de ficar mais duas horas. Essas horas vão para um banco e ficam registadas no sistema e podem ser compensadas em tempo ou em dinheiro se não forem usadas naquele espaço de tempo que a empresa nos dá para gozar. O que acontece na maioria das vezes é que alguém vai ao sistema e apaga as horas”.

Sofia Silva indigna-se e revela que o El Corte Inglés tem uma revista para os funcionários em que se fazem campanhas de natal e se promovem lanches na empresa em épocas festivas para as crianças. “Nos restantes dias do ano, acham que as crianças crescem sozinhas”.

A questão dos horários é, aliás, razão de muitos problemas familiares. Sobretudo, quando os dois membros do casal trabalham no mesmo setor. “Às vezes, as famílias não se cruzam. Agora, namora-se ao telefone. Ouvimos constantemente o governo a dizer que têm de nascer mais bebés mas devem achar que os bebés nascem por telefone”, ironiza Sofia.

“Nestas empresas da distribuição”, conta Elisabete, “os ritmos de trabalho são cada vez mais acelerados, os horários desregulados, todos os dias temos horários diferentes. Trabalhamos de segunda a domingo e em algumas empresas existe também o trabalho nocturno. Há gente que trabalha da meia noite às 6 da manhã”.

Mas não é o único dos problemas. São mais de 100 mil trabalhadores que em Portugal se debatem com o drama dos baixos salários. O último acordo assinado está tão desatualizado que os sete escalões salariais da carreira destes trabalhadores já foram ultrapassados pelo salário mínimo. Quem atinja o topo deste percurso, recebe 627 euros. “Eu, por exemplo, que tenho 25 anos de casa, ganho mais 50 euros que o salário mínimo do que quem acaba de entrar e tenho de lhes dar formação e dar-lhes todo o apoio”, denuncia Elisabete Santos antes de explicar que há uma negociação do contrato coletivo a decorrer há 27 meses. “Eles mostram disponibilidade para negociar mas só para fazer uma pequena atualização dos salários. Na prática, a maioria dos trabalhadores não ia ter aumentos”. De acordo com a dirigente sindical, querem aumentar uma miséria em troca, reduzir o pagamento do trabalho extraordinário e a introdução do banco de horas. “A contrapartida que eles querem é maior do que aquilo que eles querem dar. Querem dar-nos um chouriço e nós temos que dar o porco”, revela.

Pelo que diz Francisco Duarte, há também diferenças entre empresas e dentro das mesmas empresas. “No Pingo Doce, o salário de entrada estava cinco euros antes desta atualização do salário mínimo. O Lidl já anunciou que vai pagar 670 euros e no Minipreço anda entre os 600 e os 610. Mas é uma empresa onde há discriminação salarial de todo o tipo. Não se respeita que haja salário igual para trabalho igual. A discriminação tanto se dá entre homens e mulheres como por gostos de quem chefia. Temos trabalhadores no topo da carreira que já têm oito anos de casa com salários mais baixos dentro da tabela mínima que são os 626 e depois temos funcionários a ganhar mais. Estamos a falar de empresas que lucram milhões e milhões e não repartem os lucros”.

O problema das pausas é também uma denúncia frequente. Elisabete diz que há empresas do setor em que para se fazer uma pausa para comer fora da hora de almoço ou para ir à casa-de-banho se é obrigado a compensar mais tarde quando isso faz parte do tempo de trabalho. A falta de espaço adequado para a pausa é também comum e levou a uma importante luta no El Corte Inglés. Descreve Sofia que os trabalhadores das lojas “faziam pausa para comer na casa-de-banho. Apesar de haver escritórios com máquinas de cafés, sumos e bolos ao lado, as chefias achavam que os operadores deviam comer na casa-de-banho para não estarem à vista dos clientes. Fizemos uma denúncia à porta e teve impacto. Os clientes ficaram indignados com a nossa situação. Conseguimos resolver uma coisa que se arrastava há 15 anos. Agora, dentro dos armazéns de cada piso temos um espaço para as nossas pausas com uma cadeira e uma mesa.

Esta é, aliás, consideram, a melhor forma de alcançar direitos e acabar com injustiças que se abatem sobre os trabalhadores. Francisco dá o exemplo das ações que se realizam em frente às lojas do Minipreço por melhores condições de trabalho, onde os clientes acabam por ligar para a empresa em protesto. “Há muitos que fazem queixa e é importante a empresa sentir a pressão dos clientes”. Neste processo negocial que desenvolvem torno do acordo coletivo tem havido várias greves com denúncias à porta das lojas. É a atividade sindical a melhor forma de os trabalhadores se organizarem e travarem as lutas que lhes devolvam a “dignidade” que estas empresas com milhões de lucro “lhes roubam”.

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