Cultura

Vila Franca

Exposição 70 anos da Ponte de Vila Franca

A 30 de dezembro de 1951 inaugurava a Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, ligando pela primeira vez as duas margens do rio Tejo. Na celebração do 70º aniversário desta obra marcante da história do séc. XX português, o Museu Municipal de Vila Franca de Xira produziu uma exposição evocativa, com curadoria de Idalina Mesquita e Inês Rodrigues, onde se traça uma cronologia de grande importância para a compreensão da realidade social, cultural, económica e política do país, a partir de uma infraestrutura que, desde a sua génese, não foi pacífica, apesar da aparente aclamação popular, forjada pela propaganda fascista do regime de Salazar.

Foi na década de 1920 que surgiu a primeira ideia de estabelecer uma travessia entre as duas margens do Tejo. Mas a proposta apresentada à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira pela Toscano & Co não colheu unanimidade no setor empresarial português. Na primeira metade do séc. XX, a economia portuguesa tinha uma forte componente agrícola e os grandes proprietários da região tinham influência junto dos centros de decisão. A ponte significaria, para os agrários, uma oportunidade de negócio, pela facilitação do transporte e circulação de mercadorias. Ao mesmo tempo, a cintura industrial de Lisboa e o crescimento da “margem sul”, com Alfredo da Silva como figura destacada entre os industriais, geraram uma competição na decisão sobre a localização da ponte. 

Não obstante o conjunto de estudos que identificavam a região de Vila Franca como a mais viável, ao longo de três décadas, as tentativas de trazer este projeto para a capital foram, de certa forma, atrasando uma decisão que acabaria por ser tomada, alterando toda a dinâmica económica e social da região e do país. Esta disputa, porém, ajuda-nos a compreender algumas dinâmicas da economia portuguesa da primeira metade do séc. XX e, com elas, a construção social e cultural que se desenvolveu à volta de Vila Franca de Xira.

Elemento icónico da paisagem vila-franquense, a Ponte Marechal Carmona reconduziu todo o tráfego comercial do país e transformou Vila Franca num ponto de referência, contribuindo para o seu crescimento tanto a nível industrial, como a nível comercial e cultural. Apesar de a exposição se centrar mais no lado romântico da ligação entre margens e nos aspetos técnicos da construção da ponte, muitos são os elementos que nos ajudam a fazer uma leitura mais próxima da realidade que então se vivia. A própria celebração da decisão em construir a ponte em Vila Franca – momento bem retratado e documentado – é uma demonstração da propaganda do regime e da mobilização para a sua aparente consagração, tendo em conta a supressão da liberdade de reunião pela Constituição de 1933. 

Apesar de um núcleo dedicado exclusivamente aos contornos técnicos da ponte, a realidade do trabalho dos operários que a construíram, e que um conjunto de valiosas fotografias do arquivo municipal nos mostra, não é aprofundada. À narrativa da exposição, que pretende, evidentemente, ser evocativa, faltam alguns elementos críticos para que não caia, com facilidade, na relativização histórica e política. Embora as linhas de desenvolvimento que esta infraestrutura criou sejam de relevar, as obras de regime são também um reflexo das suas opções políticas e essa história merece ser trazida à colação. 

As polémicas sobre a ponte continuaram e muitos são os episódios que alimentaram histórias falsas. O caso mais flagrante será, talvez, a da recusa da Banda do Ateneu Artístico Vilafranquense em atuar na inauguração, por decisão do militante comunista Carlos Pato. Acontece que em 1951, Carlos Pato já havia morrido há mais de um ano. O facto não pareceu convencer um jornal regional e um eleito municipal a evitar, ainda no final do ano passado, esta – digamos – inverdade. 

Uma outra acesa polémica é a da retirada, ou não, do nome de Carmona da toponímia relativa à ponte. Fica mais ou menos claro, com esta exposição, que a romanceação da génese da ponte perpetua-se neste nome, que devia pertencer apenas à discussão crítica da história e não à celebração do período de maior repressão que o país conheceu no século passado. 

A exposição “A (re)afirmação de um elemento identitário |70 anos da Ponte Marechal Carmona” peca, precisamente, pelo seu cariz identitarista, mas com a devida mediação dos Serviços Educativos do Museu tem um potencial dialético fundamental para o conhecimento das populações sobre a sua história. Aproveitando a época do sável, esta é uma exposição a visitar.

Artigos Relacionados