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A mulher e a literatura libertária

O processo revolucionário como foi o do início da 1ª. República – período que podemos considerar até ao desvio do sidonismo, que tentou uma viragem conservadora no sentido restauracionista de tipo monárquico, aproveitando a ressaca do final da 1ª. Guerra, a fome generalizada e a pneumónica – contribuiu, embora ainda de uma forma incipiente e sem grande entusiasmo por parte dos seus altos dignitários, para o aparecimento de uma consciência política, de uma classe operária activa e participante, agente da transformação da sociedade. De relevar o papel da mulher que emerge da sua letargia de séculos e assume um papel determinante na consolidação do processo histórico transversal a todo o tecido social.

Ana de Castro Osório, no seu livro A Mulher e a Criança, dava já os primeiros sinais desse sentido cívico e emancipador que a mulher começava a exigir aos seus companheiros republicanos: «Nós trabalhamos mais pelo futuro da República lutando pelos nossos próprios direitos, do que prestando ao homem um auxílio que apenas se pode traduzir em palavras, que não correspondem a factos concretos. Não há país que avance e progrida se a mulher for nele uma serva perante a lei, uma inferior pela falta de instrução, um valor nulo na sociedade e na família». Os heróis da Rotunda andavam por esses dias atarefados com outras derivas para ligar a ideais igualitários do feminismo evanescente. 

Mesmo a médica Carolina Ângelo, a única mulher a votar em 1911, se queixava de que o seu voto teria sido anulado, e a lei mudada a posteriori para impedir que as chefes de família votassem. Os obreiros da 1ª. República sabiam da influência que a Igreja exercia, em prédicas semanais, sobre os imaginários femininos e, avisados, preferiram pôr em causa alguns princípios do que arriscar, nas urnas, o futuro da República nascente. 

A mudança cultural e política numa sociedade patriarcal tardaria a acontecer e nem a República, o iria conseguir travar a especulação dos preços dos produtos essenciais, impondo uma tabela mínima, vendo-se confrontada e desobedecida pelos seus apoiantes, a burguesia, esse mundo de merceeiros e fabricantes de riscado, no dizer de Alves Redol.

Quanto às mulheres, e quase até aos anos 1960, só a literatura tentou libertá-las do anátema de D. Francisco Manuel de Mello: Criou-as Deus fracas, sejam fracas.

Alguma da nossa melhor literatura, criada por mulheres, percorre esse libertário desiderato: Para Além do Amor, de Maria Lamas; Ela é Apenas Mulher, de Maria Archer; Um Filho Mais, de Manuela Porto; Tanta Gente Mariana, de Maria Judite de Carvalho e esse hino de liberdade e de coragem que é Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Tereza Horta e Maria Velho da Costa.

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