A poesia portuguesa actual é um dos refúgios mais intensos e originais da nossa literatura. Pela nossa melhor poesia percorremos as paixões, a dor, o júbilo dos dias altos e solares, o interior das sombras, a monódia mais íntima da música das palavras. É na poesia que a língua, esta nossa “língua de cultura” como escreveu Mário de Carvalho, ganha asas e recortes de virtuosismo semântico inusitados. Há sempre uma luz que cintila algures quando o poeta canta.
Lília Tavares é uma dessas vozes, numa poética que nos traz de longe os rumores mais fundos e vibrantes da inquietude, dos invisíveis lastros do clamor, dos labirintos sensitivos de um olhar que se retém na contemplação do mundo e da natureza, dos ventos, das árvores, a sua austera timidez de berço. As árvores estão lá, no seu movimento rumoroso de folhas e frutos, chuva e tempestades: somos nós que maculamos o seu espaço, que violentamos o seu território de pássaros e fontes, que destruímos em inumana fúria o seu silêncio, o seu modo de apenas existir – cortamos essa seiva pela raiz.
Há na poesia de Lília Tavares, nomeadamente neste a timidez das árvores, uma fala recorrente que nos diz da vida e do seu mais perene lastro, dos medos que habitamos e nos habitam, em que as palavras são, como os corpos amados, pão e refúgio: Estão em ferida as bainhas dos nossos dias/Que nada nos perturbe o sono/antes que levem de nós a noite./Antes que a noite doa.
Mas esta poética é também, mesmo nesta contínua viagem pelo metafísico sentido da vida, um espaço de afirmação e inconformismo, que Diz Alto as Coisas, e transporta a urgência de as dizer, de se afirmar voz atenta às derivas do tempo, juntando essa voz à dos seus companheiros de caminhadas pelas largas veredas das palavras: Eugénio de Andrade, Daniel Faria, Joaquim Pessoa, António Ramos Rosa, Herberto Hélder e outros, poetas com os quais a sua voz conjuntiva que recolhe lumes, fulgor, água, algum astro perdido na vazante: Contigo queria ter escutado os gritos/das gaivotas no rochedo maior/o mais altivo penhasco da praia, diz-nos a autora num belo poema dedicado a Daniel Faria.
Também de memórias se constrói este percurso lírico que se atrela às partituras mais fecundas da nossa poética contemporânea.
A timidez das árvores, de Lília Tavares – Edição Modocromia/2021.
