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A Cultura Integral do Indivíduo

O desenvolvimento cognitivo de vastas camadas da população, o ensino democrático, universal e gratuito que a nossa Constituição inscreve e garante, está, uma vez mais, como no passado recente, cujas feridas e fundos lanhos ainda nos açoitam, posto em causa. O capitalismo, ultramontano e neofascista, de fachada liberal, tem horror aos saberes. Uma sociedade culta, com capacidade analítica e reflexiva é, para os arautos da sujeição e do conformismo, da exploração e da mentira, uma estirpe perigosa dado que informada, combativa e exigente – difícil de vergar, portanto. Querem-nos mansos, subservientes e tributáveis, dobrados aos sacrifícios que, na pífia e matreira retórica do “não há alternativa”, a todos atingem. Aos menos capazes, aos impreparados da sociedade que, na sua rapace usura, eles próprios geraram, ordenam-lhes que se submetam “à lei dos caminhos feitos”, como escreveu o nosso Manuel da Fonseca, durmam ao relento e estendam a mão à caridadezinha que por aí anda, de novo, lampeira, em busca de almas penadas. E, aos restantes, que paguem a crise a porrete, ou emigrem.

Nos primórdios do nosso século XX, perante problemas com a mesma substantiva origem, um vulto cimeiro da nossa Cultura (e da política, dado que a intervenção cívica e social é o mais lídimo espaço para que o homem culto plenamente se realize), combateu para que neste território de todas as causas que tinham o homem como centro de transformação da sociedade, tivessem lastro e frutificassem: Bento de Jesus Caraça, pedagogo, professor, editor e antifascista; corajoso denunciador da opressão, do cinzentismo obscurantista, provinciano e beato que, a partir dos anos 1930 se abateu de forma brutal e insidiosa sobre a sociedade portuguesa. 

Sobre as questões do ensino público e do combate ao analfabetismo, em entrevista publicada no jornal República em 1945, afirmava Bento de Jesus Caraça: “Não sei se haverá em todo o mundo civilizado, criança mais desprotegida dos poderes públicos que a criança portuguesa. E, mais à frente, na mesma entrevista, trata de outro aspecto, este inferindo candente actualidade, prende-se com a acção pedagógica e a situação dos professores: “Em que condições exerce hoje o professor o seu mister de ensinar? (…) Posso afirmar, sem receio de exagerar, que essas condições se caracterizam essencialmente assim: deficiência de meios pedagógicos; deficiência de meios materiais da vida do professor, limitação das condições de independência mental dos agentes educativos.» Lúcido e brilhante. Questões basilares do nosso tempo, desenvolvidas nesse texto imprescindível que é A Cultura Integral do Indivíduo.

A Cultura Integral do Indivíduo, de Bento de Jesus Caraça – Edição Página a Página/2021

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