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Uma barbearia ligada à história d’A Voz do Operário

É uma das mais antigas casas de corte de barba e cabelo em Lisboa. Esta barbearia está situada no número 27 da Rua dos Remédios pelo menos desde 1879. E como se sabe? Porque o primeiro número d’A Voz do Operário fazia publicidade a este espaço como ponto de venda deste jornal.

Bruno Oliveira trocou um trabalho de mais de 17 anos na função pública pela paixão das tesouras e das navalhas. Com formação no corte de cabelos e barba, decidiu, com o irmão, procurar um lugar para passar os sonhos do papel para a realidade. “Encontrámos esta loja que era do senhor João, que já tinha falecido, e o filho não queria que se perdesse o negócio”, explica à Voz do Operário. Diz que queriam fazer “reviver os velhos tempos”.

Sendo do bairro, recorda-se dos tempos em que ali vinham com o pai, ainda pequenos, para cortar o cabelo. “Era brutal e era isso que queríamos reviver”, lembra. Mas o cenário não era o melhor. “Queríamos era desfazer a barba à navalha, coisa que já não existia. Nas barbearias, eram os mais velhotes [que ainda usavam essa técnica] e estavam a morrer ou estavam a fechar. A malta queria cortar o cabelo e tinha de ir a um centro comercial”.

É então que reabrem a barbearia do senhor João. “Decidimos abrir, até porque era para conjugar o trabalho estável com aquilo que realmente gostávamos de fazer, um fazia de manhã, outro fazia de tarde. Além de já cortarmos, tirámos formação na área. Tivemos um pouco de sucesso nessa altura porque era imensa gente e ficámos um pouco conhecidos também sem esperarmos. E depois, tive de largar o emprego [na função pública] porque já era incompatível.

Outro dos serviços que prestavam os dois irmãos era ao domicílio. “Muitos dos velhotes, não saíam de casa e foi um trabalho fantástico que também fiz, e continuo a fazer. Agora não tenho é muito tempo. Muitas vezes, nem queriam cortar o cabelo, queriam era conversar”, descreve. Apesar de manter este serviço de forma menos frequente, Bruno Oliveira trabalha também com sem-abrigo há cerca de cinco anos. “Faço esse trabalho na rua e nos centros de abrigo, em Alfama e por aí fora”.

Há dez anos na Rua dos Remédios, em Alfama, a barberia de Bruno Oliveira tenta preservar o corte à navalha, desfazer a barba com toalha quente e os produtos portugueses. “Tem sido muito gratificante”, explica, “até malta mais antiga, clientes que vêm cá há 70 ou 80 anos. Vêm cá desde miúdos, já são velhotes, é muito engraçado, as histórias que eles contam…” Mas o antigo cruza-se com o novo numa barbearia que é para todas as gerações, como descreve. “Temos de estar habituados às novas tendências”, porque, como explica, há cada vez mais gente a conhecer a barbearia, desde portugueses a turistas. “Uma vez apareceu aqui um cliente a dizer que tinha sabido da barbearia através de uma brochura num voo da TAP”.

Entretanto, Bruno Oliveira abriu mais três barbearias. Todas em Lisboa. Tenho uma no Rossio, ao pé da Ginjinha, que também tem mais de cem anos. Isto já veio depois porque viram o trabalho que nós fizemos e os filhos das pessoas [proprietárias] contactaram-me e, pronto, fizemos com que elas não acabassem. Isto é um bocado história da cidade e é um bocado a nossa história, não é? Dos nossos pais, dos nossos avós que passaram por aqui”.

Ponto de venda d’A Voz do Operário

Uma barbearia pelo menos tão antiga como antigo é o jornal A Voz do Operário, fundado a 11 de outubro de 1879, por trabalhadores da indústria do tabaco, é o que se sabe desta loja. Segundo Bruno Oliveira, foi um cliente que lhe trouxe esse dado. Sabe-se que nesse mesmo ano, em 1879, A Voz do Operário já era aqui distribuída.

“Morava aqui em baixo, era já velhote, e nós tentámos pesquisar, depois entretanto fui ver do prédio e tem mais de 500 anos. Mas não há grandes registos da barbearia. Havia fotografias da Câmara Municipal em que realmente se vê uma cadeira aqui, com mais de cem anos, mas a Câmara também não tem mais elementos e agarra-se um bocadinho ao que nós temos”.

Foi com a informação d’A Voz do Operário que se criou o ‘bichinho’ da história. Nós não tínhamos bem noção disso, sabíamos que [a barbearia] era antiga, estava com o senhor João há mais de 70 anos. Queríamos era cortar cabelos e pronto. Entretanto, isto apareceu e tem-se desenvolvido, entretanto a Câmara também se meteu nisto e já distinguiu a barberia como Loja com História”.

O barbeiro recorda que quando pegou na loja com o irmão o espaço já estava um pouco degradado. Aponta para os objetos que todavia se mantêm desse tempo. Uma caixa registadora, um armário e as cadeiras, onde ainda se sentam os clientes à espera de um novo corte. “Não mexemos em muita coisa. Por exemplo, o chão é de origem. Estas cadeiras são de origem, estas estavam cá. Fomos fazendo obras, que a senhoria também não quer muito saber disto, nós é que temos de andar aqui a segurar porque senão já tinha caído”, descreve Bruno Oliveira.

Bruno Oliveira foi ouvindo as histórias dos mais velhos sobre a barbearia e recorda que ali dentro se fumava muito. Quem ali chegava não eram só os moradores mas também operários e estivadores, o que pode explicar a ligação à Voz do Operário

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