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Governo dá luz verde a medicina no ensino privado

Em julho de 2019, Portugal era o terceiro país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com maior rácio de médicos per capita. Havia, então, 4,6 médicos por cada mil habitantes, o que colocava Portugal à frente de países como Alemanha e Reino Unido. Mas este dado referia-se ao número global de médicos. A trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), havia apenas 2,8 médicos por cada mil habitantes, abaixo da média dos 28 países da União Europeia (3,6).

O Diário de Notícias noticiava nesse momento que o número de profissionais inscritos na Ordem dos Médicos se situava próximo dos 45 000, mas, de acordo com o Relatório Social do Ministério da Saúde (2017), apenas 28 609 médicos estavam a trabalhar no SNS em Portugal.

Em setembro de 2020, o concurso aberto pelo governo deixou mais de um terço das vagas para contratar médicos para o SNS por preencher. Apenas 908 das 1385 vagas abertas para contratar especialistas foram garantidas. O concurso previa 950 vagas para a área hospitalar e para saúde pública e 435 para medicina geral e familiar. Mais de um terço (37,6%) das vagas abertas para contratar médicos recém-especialistas nas áreas hospitalares e de saúde pública ficaram por preencher. Os dados são da Administração Central do Sistema de Saúde e foram avançados então pelo Público. 

Com médicos a menos no SNS, as faculdades públicas de Medicina decidiram não aumentar as vagas disponíveis este ano. Atualmente, os cursos de Medicina agregam 1441 lugares todos os anos no concurso nacional de acesso ao ensino superior. Apesar de o Governo permitir que os cursos procurados pelos melhores alunos cresçam até 15%, as escolas médicas entendem não ter condições para receber mais estudantes. Ao mesmo jornal, o presidente o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) adiantou que “as condições se mantêm, a decisão também será no mesmo sentido” da do ano passado.

“Não há nenhum tipo de novidade que nos permita tomar uma decisão de outro tipo”, concorda o diretor da faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Fausto Pinto. A CEMP salienta que o número de estudantes que as faculdades de Medicina recebem neste momento é “bem superior ao número de vagas” que os seus responsáveis entendem “adequadas”.

Os responsáveis das faculdades de Medicina esclarecem que, atualmente, já existem limitações dos estudantes no acesso às práticas clínicas durante a formação e tem vindo a aumentar o número de médicos que, uma vez concluído o curso, não conseguem acesso à especialidade. Fausto Pinto acrescenta, ainda, que “não há falta de médicos em Portugal”. Formar mais clínicos seria condená-los “ao desemprego ou a terem que emigrar”, entende.

Privados abrem curso de Medicina

A Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa (UCP) abriu o processo de candidaturas até 31 de maio. É a primeira universidade privada a lecionar um curso de medicina. A parceria do Grupo Luz Saúde com a Universidade de Maastricht vai resultar no primeiro curso em Portugal lecionado em inglês. As atividades letivas vão iniciar-se em setembro deste ano no campus de Sintra da UCP, junto ao Taguspark.

Apesar da luz verde do governo para a abertura deste curso no privado, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), que agrega representantes de oito instituições públicas, lamentou a aprovação deste curso na Universidade Católica, entidade privada, alegando que houve cedência “a forte pressão de agentes políticos” e alertou para problemas que “colocam em causa a qualidade do curso”.

Com a pandemia a pôr à prova um sistema público de saúde, para o qual muitos hospitais privados enviaram os seus doentes quando se espalhou o coronavírus por todo o país, são várias as unidades hospitalares e centros de saúde que reclamam mais profissionais de saúde. Sem uma estratégia de fixação de médicos no Serviço Nacional de Saúde, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) acusa há largos anos os sucessivos governos de não darem condições aos profissionais de saúde para trabalharem no público.

A falta de vagas preenchidas deve-se também à falta de perspetivas. “Isto vem provar que as condições oferecidas a estes médicos não são atrativas o suficiente”, defendeu Noel Carrilho, da Federação Nacional dos Médicos, ao Público. “É algo que deveria ser um objetivo a ter em conta pela tutela agora que são necessários ainda mais (médicos) com a pandemia e com aquilo que será uma necessidade agravada que foram os atrasos na assistência, nas consultas e nas cirurgias”. Para este dirigente sindical, “não só as condições para entrar no SNS são pouco atrativas, quando comparadas com condições dadas pelo privado ou mesmo as ofertas no estrangeiro, como a progressão na carreira de médico no SNS representa mais um fator para estes clínicos que acabam a especialização optarem por outras alternativas que vão para além do sistema de saúde público”. 

Há vários anos que o SNS se debate com a falta de médicos enquanto escolas médicas recusam aumentar vagas. Agora, vai abrir um curso privado na Católica.

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