Algures, na avenida, canta Zeca Afonso: “Que venha a brisa lavar-nos a cara. Seremos muitos, seremos alguém”. Apesar da ameaça de chuva, só a brisa quente da primavera marcou presença em Lisboa. E gente, muita gente. Na frente, como há 47 anos, as chaimites abriram caminho ao avanço da multidão.
A revolução de Abril voltou a sair às ruas trazendo consigo a atualidade da luta contra o fascismo e a memória daqueles que desafiaram a ditadura para construir uma sociedade com valores democráticos e justiça social. As principais cidades do país fizeram parte da celebração com a participação de muitos milhares de pessoas nas concentrações e desfiles marcados para a tarde do dia 25.
Alheios às polémicas que povoaram páginas de jornais, a Avenida da Liberdade mostrou que Abril não tem donos mas tem princípios. Apesar da tentativa de alguns partidos de direita de se somarem ao desfile, o que marcou a celebração foi a enorme adesão dos jovens à convocatória. O repúdio à crescente radicalização da direita em Portugal foi bem visível em muitas das pancartas feitas em casa, sobretudo pelos mais novos. A um ano do aniversário da revolução igualar o tempo vivido em ditadura, são cada vez mais os que questionam determinadas versões oficiais e que atribuem ao fim abrupto do processo revolucionário.
A imensa maré humana que desceu esta artéria de Lisboa fê-lo integrada nas organizações juvenis, em estruturas sindicais, em movimentos e associações, sob o aplauso de milhares que assistiram a partir das laterais e se juntaram às consignas e canções de Abril. Com distanciamento e cumprimento das regras de proteção individual, as máscaras serviram também para evitar o já tradicional pólen mas não abafaram a força das palavras de ordem. “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais” e “Abril de novo com a força do povo” foram algumas das palavras de ordem que voltaram a ouvir-se nas ruas depois de um ano em que a celebração se fez à janela.
Depois desta multitudinária adesão às comemorações, chega agora o 1.º de Maio. Foi a primeira grande mobilização depois da revolução em 1974 e regressa, ano após ano, pela mão da CGTP-IN, para mostrar a força dos trabalhadores e para dar destaque às principais reivindicações de quem vive e trabalha em Portugal.