Foi há 150 anos, no dia 18 de Março de 1871, que o Comité Central da Guarda Nacional, perante a infame traição das classes dominantes, decidiu que o povo de Paris tomava “nas suas mãos a direcção dos negócios públicos” e proclamou a Comuna de Paris que seria eleita no dia 26 de Março.

O contexto da Comuna é o de mais uma das intermináveis guerras com que as classes dominantes dos diferentes países, à custa da morte, da miséria e do sofrimento dos respectivos povos, fazem a divisão do mundo entre elas. As derrotas francesas levariam ao cerco de Paris pelas tropas alemãs e à fuga do Governo para Versailles. Quando o Governo de Versailles manda destruir os canhões da Guarda Nacional, no quadro da rendição face à Alemanha, a Guarda Nacional, uma milícia popular cujas origens remontam à grande Revolução francesa, subleva-se, com o apoio entusiástico do povo do Paris.

Dois meses depois, a França de Versailles com o apoio da Alemanha e das tropas por esta libertadas, estará a bombardear Paris, a ocupar a capital, a fuzilar e desterrar mais de 100 mil parisienses. Encharcada no sangue do seu próprio povo, essa burguesia mandará erguer a Igreja do Sacré Coeur sobre o último Bairro que combateu pela Comuna, Montmartre. E assim se explica que este espaço religioso, que para o visitante distraído de Paris pode parecer bela, ainda hoje não esteja considerada como Monumento Nacional em França e exista uma forte e organizada resistência popular a que o consigam fazer, como voltou a tentar a burguesia francesa em 2020. 

A Comuna

A Comuna de Paris viveu, os seus pouco mais de 70 dias de existência, cercada e ameaçada, tendo que dar às tarefas de defesa uma inevitável prioridade. Nascida de um impulso colectivo face à provocação, imbuída das mais generosas intenções, mas sem um Programa, uma Direcção ou sequer uma organização, enfrentando uma correlação de forças completamente desigual, a Comuna ainda assim avançou, e avançou ao assalto do Céu. A Comuna foi a generosa acção colectiva das massas – que vale bem mais que mil programas como sublinhou Lénine – feita de milhares de heróis, de homens e mulheres que colocados pela história perante tarefas impossíveis a elas devotaram toda a vida que lhes restava. 

A sua obra, património histórico que nos deixou, será no entanto extraordinária. Declarou a separação entre a Igreja e o Estado e atribuiu um carácter laico à Educação; estabeleceu que a remuneração da Administração e dos próprios membros do Governo fosse a do operário médio; proibiu as multas sobre os trabalhadores e entregou as fábricas abandonadas pelos donos à gestão de quem nelas trabalhava; reconheceu os direitos das mulheres e dos estrangeiros; substituiu a polícia e o exército profissional pelo armamento do povo.

Os de baixo, os netos dos sans-cullotes da grande Revolução, que haviam derrubado a monarquia e entregue o poder nas mãos ingratas da burguesia, atreviam-se a começar a construir um Estado seu, dos Trabalhadores, e a colocar como tarefa concreta a construção de uma sociedade sem classes e sem exploradores. 

Marx e Engels, e depois Lénine, retirarão do estudo da Comuna, da análise dos seus erros e dos seus feitos, das suas vitórias e derrotas, um poderoso contributo para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores pela sua emancipação, pelo socialismo e o comunismo. 

A Internacional

A letra da Internacional foi escrita por Eugene Pottier, um operário gráfico parisiense, quando fugia da sangrenta repressão que se abateu sobre Paris em Maio de 1871 com o esmagamento da Comuna. Pottier, que já participara na Primavera dos Povos (os levantamentos de 1848) e ajudara a fundar em 1867 o Sindicato dos Gráficos, era membro da Internacional (da I, da Associação Internacional dos Trabalhadores). Durante o cerco de Paris que antecede a Comuna, foi delegado ao Comité Central da Guarda Nacional e a 26 de Março foi eleito para a Comuna de Paris. Regressado a França em 1879, depois de uma amnistia imposta pela luta popular, continuou politicamente activo e seria enterrado no Cemitério do Pére Lachaise, numa massiva manifestação popular, coberto com a bandeira vermelha, que era como o povo de Paris homenageava todos os combatentes da Comuna. 

Daqui nasceu aquele que ainda hoje é o hino dos trabalhadores em todo o mundo, e que em Portugal é o Hino da CGTP-IN e de vários partidos. Quando a cantamos, é todo um caminho que percorremos, desde a primeira tentativa de construção de um Estado dos trabalhadores às barricadas onde o defendemos até à morte, ao exílio e aos anos negros da repressão brutal do movimento operário que se lhe seguiram, à reconstrução, apogeu e apodrecimento da II Internacional, ao advento do Estado dos trabalhadores com a Revolução Socialista Soviética e à epopeia que foram os seus 74 anos, às vitórias e avanços que marcaram o século passado, e as amargas derrotas sofridas no seu final, tudo trazendo-nos até o tempo que vivemos. 

Um tempo que é preciso saber viver com os pés bem firmes na Terra. E o que nos liga à Terra, é o conhecimento da História – perspectiva, experiência e confiança – e a intervenção sistemática e consequente na realidade concreta da luta de classes – unindo, organizando, resistindo, avançando sempre que possível, lutando sempre. 

O mundo em que vivemos exige resposta urgentes. O modo de produção capitalista é hoje o principal travão ao aproveitamento social dos avanços técnico-científicos e da capacidade produtiva instalada. Milhares de milhões de seres humanos vivem com medo vidas precárias enquanto uma ínfima minoria reserva para si própria metade da riqueza do planeta. Oiçamos a voz da Paris que há 150 anos morria para defender o nosso direito a sonhar com um futuro melhor: “C’est la lutte finale: Groupons-nous, et demain, L’ Internacionale sera le genre humain.”

[Bem unidos façamos, desta luta final, duma Terra sem amos, a Internacional].


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