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Margarida Tengarrinha, a voz das camaradas

A história da democracia portuguesa não pode ser contada sem a história da resistência portuguesa ao fascismo e a história da resistência portuguesa não se pode contar sem uma das muitas mulheres que, com coragem e esperança, deu um contributo insubstituível para a construção do país que quisemos inventar.

Margarida Tengarrinha nasceu em Portimão a 7 de maio de 1928 e vem para Lisboa para estudar pintura na Escola Superior de Belas Artes (ESBAL) – uma escola onde imperava um academicismo conservador e onde o regime de Salazar não deixava de ter mão. Inspirada pelas greves dos anos 30 e, posteriormente, pela derrota do nazi-fascismo (como sempre se referiu a essa nuvem que assombrou o mundo da sua infância) em 1945, Margarida Tengarrinha dá os seus primeiros passos na atividade política quando se junta, já no final dos anos de 1940 ao MUD Juvenil, acompanhada por muitos escritores e artistas ligados a um ainda jovem movimento Neorrealista.

Da sua carreira artística, nessa época, destaca-se a sua dedicação à gravura – técnica que não era lecionada nas escolas de artes e que proporcionava a democratização da arte, permitindo aos artistas uma produção significativa das suas obras e uma aproximação maior ao povo. Tengarrinha vê na gravura uma ferramenta técnica fundamental para a concretização dos objetivos a que o próprio Neorrealismo se propunha e assume, com outros artistas, como Cipriano Dourado ou o seu companheiro de então, José Dias Coelho, um papel determinante. 

É também com estes e outros artistas que Margarida Tengarrinha vai organizar as Exposições Gerais de Artes Plásticas, na Sociedade Nacional de Belas Artes – um acontecimento que iria demonstrar a resistência dos artistas portugueses ao modelo cultural imposto pelo fascismo através do Secretariado Nacional de Informação, criado por António Ferro. 

A sua militância e a forma corajosa como se manifestou pela paz e contra a adesão de Portugal à NATO vão valer-lhe a expulsão da ESBAL. Pouco depois, Margarida Tengarrinha adere ao Partido Comunista Português, assume tarefas de redatora de um boletim chamado “A Voz das Camaradas”, dedicado às mulheres comunistas, e mergulha na clandestinidade, com José Dias Coelho, integrando a direção do jornal Avante! Após o assassinato de Dias Coelho, parte para Moscovo com Álvaro Cunhal e, com passagem pela Roménia, integra o corpo redatorial da Rádio Portugal Livre.

A militância de Margarida Tengarrinha fez com que, abnegadamente, desse menos prioridade ao seu trabalho artístico e fosse uma das grandes construtoras do caminho para a Revolução de Abril, após a qual continuou uma profícua atividade política, fosse como dirigente do PCP, fosse como uma personalidade de grande prestígio, requisitada para várias palestras, entrevistas e iniciativas político-culturais, onde nunca desligou a militância comunista da luta das mulheres e de uma conceção revolucionária para as artes e para a cultura. 

Partilhou a sua vida com o seu companheiro de muitos anos, o militante comunista e resistente antifascista Carlos Costa, que viu partir em 2021. Voltou a dar aulas, tendo nos últimos anos dado um contributo para a Universidade Sénior do Algarve e continuando a sua produção artística, com uma linha fina e ensombrada, quase que anunciando o fim de um ciclo, quase como se se despedisse de nós, mas sem nunca perder a alegria e o desassombro na voz – essa voz erguida para o futuro como um punho emancipador e revolucionário.

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