Portugal vivia sob o regime fascista de Salazar que, em síntese, impunha uma ditadura terrorista dos monopólios ao país e à população, que se caracterizava pelo domínio e concentração da economia nacional num reduzido conjunto de grupos económicos, domínio nas fábricas e nos campos, de grupos simultaneamente apoiados e apoiantes do regime. Em auxílio da “situação”, as liberdades cívicas e políticas eram coartadas, a censura impunha-se sobre a Imprensa, a Arte e todas as formas de expressão cultural e de ensino, o povo era condenado às mais vis e diversificadas expressões de miséria material e espiritual. As burlas eleitorais sucediam-se.

No quadro internacional, a ditadura restringia as relações internacionais do país, pouco diversificadas e limitadas, reduzidas a países como Espanha, Inglaterra, EUA ou a organizações como a NATO. O colonialismo do regime lutava por sobreviver e o confronto com outros povos oprimidos já era inevitável.

A repressão política impunha-se, a União Nacional exercia em farsa o seu poder político, e os que, de diversas formas lhe resistiam, estavam condenados à perseguição, ao exílio, clandestinidade ou prisão. Ou à morte. Desde o seu início, o regime fascista dinamizara uma perseguição política (a partir da sua PIDE) e um sistema penal dirigido aos seus opositores, do qual o sistema prisional era vértice central e símbolo, contando, entre tantos outros lugares de detenção com as prisões de Tarrafal, Angra, Aljube, PIDE no Porto, Caxias… e Forte de Peniche.

A oposição ao regime foi sendo variada, teve ciclos, personagens diversificadas, momentos. Momentos de valentia, individual e coletiva, homens e mulheres, organizações, que a História tornou incontornáveis.

A oposição ao regime foi sendo variada, teve ciclos, personagens diversificadas, momentos. Momentos de valentia, individual e coletiva, homens e mulheres, organizações, que a História tornou incontornáveis. E neste movimento constante, destaca-se o Partido Comunista Português, único resistente clandestinamente omnipresente aos 48 anos de fascismo, reprimido até às últimas consequências, conhecido apenas por “o Partido”, tanto por amigos como por inimigos.

A centralidade política na oposição, que o PCP detinha, fez recair sobre os seus membros a mais feroz repressão. Os seus militantes, foram perseguidos em todas as esferas da vida, presos, torturados, assassinados. Por isso, entre os presos do Forte de Peniche, estavam vários dirigentes e militantes do PCP (alguns já com mais de 10 anos de cárcere). E estes planearam uma fuga, com rigor e coordenação, que a História memoriza e a Liberdade celebra.

Nessa noite de 1960, entre o frio de Janeiro, entre o mar agitado que embatia nas muralhas, e o som das gaivotas no céu, nas imediações do Forte, um carro abre o porta-bagagens, sinal, que do exterior tudo estava pronto. Comece a ação.

Após meses de conluio, com o apoio de um carcereiro, outro é manietado e anestesiado, permitindo a passagem despercebida dos presos por uma zona de exposição à vista. Ainda no piso superior, por uma árvore, descem ao piso inferior. Daí prosseguem em corrida, para a muralha exterior, por onde descem, à vez, por uma corda de lençóis rumo ao fosso exterior. Faltava agora saltar um último muro, e fugir, e divididos por três automóveis, assim foi.

Recordemos os seus nomes, dos que fugiram, Álvaro Cunhal, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Jaime Serra, Francisco Miguel, José Carlos, Guilherme Carvalho, Pedro Soares, Rogério Carvalho e Francisco Martins Rodrigues;

Recordemos os seus nomes, dos que fugiram, Álvaro Cunhal, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Jaime Serra, Francisco Miguel, José Carlos, Guilherme Carvalho, Pedro Soares, Rogério Carvalho e Francisco Martins Rodrigues; e dos auxiliares no exterior: Pires Jorge e António Dias Lourenço, com a ajuda de Octávio Pato, Rui Perdigão e Rogério Paulo. E recorde-se também os que, já anteriormente se tinham evadido daquele Forte, e também militantes do PCP, Jaime Serra, Francisco Miguel e Dias Lourenço.

A fuga de presos políticos é por definição uma humilhação para os carcereiros, e a fuga de 1960 assim foi também, derrota e humilhação do regime fascista de Salazar. Pelo número de evadidos, pela sua filiação partidária, pela sua importância orgânica, pelos moldes da própria fuga e pelo reconhecimento internacional que teve. Mas foi mais importante que isso, nomeadamente onde mais importava, na resistência.

A notícia da fuga de Peniche foi significativa para toda a oposição, e recebida com grande ânimo, mas os efeitos políticos da fuga foram particularmente importantes para o PCP, desde logo permitindo-lhe recuperar um conjunto de quadros (reforçando a sua composição, dinâmica e ideologia). Resultando a partir daí, uma alteração na sua linha política (com a substituição do período designado por “desvio de direita”, iniciado em 1956) e a subsequente eleição de Álvaro Cunhal para seu Secretário-Geral. Alcançou-se uma nova dinâmica de luta, nas empresas e nos campos, nos 1º de Maio, com destaque para a reivindicação da jornada das 8 horas de trabalho. Mas também novos patamares na luta estudantil, nasceram outros movimentos de unidade entre democratas, deu-se o aparecimento da Rádio Portugal Livre.

No VI Congresso do PCP, logo após a fuga de Peniche, Álvaro Cunhal apresenta a sua obra “Rumo à Vitória – as tarefas do Partido na Revolução Democrática e nacional”, onde além da caraterização da situação nacional e do regime, nos seus vários aspetos, económicos, sociais e até culturais, da vida política nacional e internacional, traça o levantamento pela força como único caminho para liquidar a ditadura, assim como oito objetivos fundamentais para a Revolução, e em larga medida atingidos na Revolução de 25 de Abril de 1974.

Recordar a fuga de Peniche é celebrar a memória do antifascismo e da resistência, é recordar a repressão e o cárcere, obstando aos exercícios frequentes de branqueamento e adulteração da História e é, lembrar, que se manteve heroicamente esperança na aurora, mesmo quando a noite não podia ser mais escura.

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