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A Constituição de Abril que Novembro odeia

Na narrativa ficcionada e reacionária sobre o 25 de Novembro – aquela que é massificava pelo regime na Comunicação Social dominante, nas escolas e até nas Universidades – no dia 25 de Novembro houve uma tentativa de Golpe de Estado comunista, derrotada pelos democratas, que permitiu afastar Vasco Gonçalves do Governo e implantar uma democracia de tipo ocidental em Portugal. 

Tudo nessa síntese é falso. Não houve qualquer tentativa de golpe militar comunista (ou da esquerda militar), do qual não há qualquer prova ou evidência, mas sim um golpe longamente preparado pelas forças de direita (do grupo dos 9 aos elementos mais reaccionários do MDLP, com um papel central do PS), como os próprios reconhecem em múltiplas entrevistas. Nem Vasco Gonçalves era Primeiro-Ministro em Novembro de 1975 (tinha sido substituído por Pinheiro de Azevedo em Setembro) nem houve, sequer, uma mudança de Governo na sequência do 25 de Novembro. Nem foi implantado em Portugal, nessa altura, um regime de «tipo ocidental». Nem os vencedores de Novembro eram democratas nem os derrotados queriam implantar uma ditadura. 

É verdade que o golpe de 25 de Novembro de 1975 alterou a correlação de forças em Portugal, afastou os militares mais progressistas, entregou aspectos centrais do poder – da comunicação social aos vários cargos na administração pública – nas mãos de reaccionários. Mas os ideais de Abril tinham tal força e um carácter tão genuinamente democrático e popular que se impuseram no texto constitucional que seria aprovado pelos deputados da Assembleia Constituinte (116 deputados do Partido Socialista, 81 deputados do PPD, 30 deputados do PCP, 16 deputados do CDS, 5 deputados do MDP, 1 deputado da UDP e 1 deputado de Macau) quatro meses mais tarde, a 2 de Abril de 1976.

As primeiras eleições multipartidárias e pluralistas tinham-se realizado em Abril de 1975, com Vasco Gonçalves como primeiro-ministro, e tinham eleito os deputados da Assembleia Constituinte. A Constituição da República, aprovada a 2 de Abril de 1976, aponta no seu primeiro artigo que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes», e no seu segundo artigo que «a República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democrática, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.»

Aliás, um dos objectivos de alguns dos golpistas de Novembro era impedir a aprovação da Constituição. Outros queriam mesmo impedir a realização das eleições legislativas que se lhe seguiriam, substituindo-as pelo velho sonho Spinolista de um presidencialismo plebiscitado. E aqueles que financiaram Novembro – os EUA e os grupos económicos que tinham crescido à sombra da ditadura fascista – queriam muito mais que aquilo que de Novembro retiraram no imediato: queriam a reversão das nacionalizações, o fim da reforma agrária, o fim do controlo operário, a submissão total ao imperialismo.

A Constituição da República Portuguesa é a primeira grande derrota dos vencedores de Novembro. O verdadeiro objectivo de Novembro, a reconstrução do capitalismo monopolista em Portugal, teria de ficar o mais possível escondido do povo durante muitos anos. O primeiro governo constitucional, em Junho de 1976, num daqueles paradoxos que revela a realidade dialética da história, inauguraria a prática governativa anticonstitucional. Desde então, todos os que ocuparam o poder político em Portugal juraram cumprir e fazer cumprir a Constituição para depois a violarem mais ou menos sistematicamente. Mesmo depois de 7 revisões que lhe retiraram muitos dos aspectos mais democráticos. 

Agora que o PS abriu a porta a mais uma revisão constitucional, que inevitavelmente se destina a escancarar a porta à recuperação capitalista e à expropriação do povo português, o mais importante a ter presente é a força que permitiu impor a aprovação da Constituição e defender tantas das conquistas da revolução durante quase 50 anos: a força dos ideais de Abril, a força da luta popular, a unidade e convergência na acção de democratas e patriotas.

A direita quer – outra vez – rever a Constituição? Que toquem os sinos a rebate, que se juntem os democratas e os patriotas, e vamos à luta por Abril. Outra vez.

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