Política

O estranho caso da indemnização por despedimento… dos outros

Mesmo depois das machadadas quase fatais que a legislação laboral tem vindo a levar ao longo das décadas, sempre pelas mãos dos mesmos, não falta quem ainda diga que é demasiado inflexível, demasiado rígida, que toma demasiado a parte do trabalhador e que cuida pouco do interesse económico, que é como quem diz, do interesse dos patrões. 

Curiosamente, os que dizem isso são os mesmos que têm vindo a fazer ruir os mecanismos de protecção legal dos trabalhadores perante o despedimento, a gestão dos horários, os vencimentos, as horas extraordinárias, entre muitas outras dimensões da vida laboral e são exactamente os mesmos que se negam a ser sujeitos a essa legislação. 

Vejamos, algum administrador de topo ou CEO aceitaria um período experimental de 90 ou 180 dias, como é colocado aos restantes trabalhadores, por exemplo? Ou algum aceita uma indemnização calculada nos termos da lei? O caso de Alexandra Reis e da TAP/NAV/Governo é, em primeiro lugar, um caso que evidencia como a legislação laboral é injusta e como se aplica apenas quando visa prejudicar os trabalhadores e defender os grupos económicos e patrões. E não nos referimos a “trabalhadores” como Alexandra Reis que, segundo consta, desempenhou as suas funções na TAP durante 2 anos com empenho nos despedimentos e agressões aos trabalhadores com vista sempre à famigerada redução de custos. 

O caso de Alexandra Reis e da sua contratação, posterior saída da TAP e entrada na NAV e seguinte entrada no Governo é um caso político que demonstra, acima de tudo, como um governo que é porta-voz e comissário político do poder económico adquire os modos de funcionamento dos próprios grupos económicos. Mais do que demonstrar que o PS, como já bem lhe conhecemos, tem uma tendência genética para o clientelismo, nepotismo e aparelhismo, mostra-nos a promiscuidade entre os interesses privados e a gestão das empresas públicas. No caso, Alexandra Reis personifica apenas o mais recente exemplo de quadro que passa na constante porta giratória entre governo e interesse privado. E aqui dizemos “interesse privado” com consciência por sabermos que é nesse interesse que tem sido gerida a TAP, apesar de ser uma companhia aérea pública. 

É evidente que casos como este devem decorrer de responsabilidades políticas. É evidente que é inaceitável que Primeiro-Ministro, Ministro das Infra-estruturas e da Habitação e Ministro das Finanças tenham participado neste obsceno aproveitamento de uma empresa pública, especialmente numa altura em que essa empresa pública consome largos milhares de milhões de euros em ajudas do Estado. É inaceitável que Pedro Nuno Santos tenha nomeado Alexandra Reis para Presidente da NAV, três meses após ter recebido uma indemnização de quinhentos mil euros para sair da TAP – num contexto em que, segundo o comunicado da TAP à CMVM, não se justificaria qualquer indemnização por ter sido renúncia por vontade da própria. É igualmente inaceitável que Fernando Medina tenha feito essa mesma nomeação para cinco meses depois a ter vindo a nomear Secretária de Estado do Tesouro. Que características profissionais terá Alexandra Reis para se justificar tanta cobiça pelo seu préstimo é algo que não podemos avançar nem adivinhar, mas está à vista a forma como o governo gere empresas públicas de importância estratégica e como as utiliza para a tomada do aparelho de estado por interesses alheios ao interesse público. 

Uma vez mais, nenhuma alteração significativa advirá do saneamento deste ou daquele quadro do governo. O problema não está apenas no facto de o Governo resultar de uma maioria absoluta do Partido Socialista, pois que não faltam exemplos de promiscuidade em Governos de outras maiorias, principalmente absolutas. O problema é muito mais fundo e está inextricavelmente ligado à forma de organização social, política e económica da sociedade, em confrontação com a Constituição da República Portuguesa. Não se trata aqui de arredar esta ou aquela maçã podre do Governo, nem mesmo se trata apenas de mudar de Governo. Trata-se de terminar o que se iniciou em abril de 1974 e arredar de vez com o sistema podre que, apesar da lufada de ar fresco, ainda tem suas raízes em 1933.

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