Com uma perspetiva progressista do papel da construção do conhecimento, A Voz do Operário sempre privilegiou a sala de aula como meio para a participação prática dos alunos com ferramentas e conteúdos culturais. A interação e o trabalho coletivo são marcas da escola democrática que a instituição promove e o anúncio de medidas de restrição para evitar a expansão da pandemia do novo coronavírus foi tão súbito como a necessidade de adaptar o modelo a uma nova realidade.
A rápida resposta dada pelos professores d’A Voz do Operário foram determinantes, considera Rita Rato, mãe de um aluno do 6.º ano na Graça. A morar na Amadora, compara a lenta adaptação da escola pública à nova situação com a decisão d’A Voz, logo na segunda quinzena de março, de criar novas formas de trabalho. “Este trabalho que A Voz tem feito vai muito no seguimento do contexto e do que já era feito em sala de aula. Trabalhar com cada aluno, dentro da sua autonomia, e isto é muito importante”, sublinha.
Sandra Pina Pereira, coordenadora pedagógica e professora do 2.o ciclo, explica que agora “os horários não são iguais” porque “não fazia sentido que as aulas decorressem nos mesmos moldes”. Como n’A Voz do Operário não há aulas expositivas, a elaboração dos horários foi feita com o objetivo de salvaguardar o acompanhamento, “o mais individualizado possível”, das tarefas que vão sendo lançadas aos alunos. A docente afirma que cada professor tem um grupo de alunos e que “procura estar o máximo de tempo com cada um deles”. “Para além das dúvidas, de ensinarmos a mexer nas plataformas, a anexar os trabalhos, de conversarmos sobre o dia a dia, temos a preocupação não deixar cair a proximidade, apesar de estarmos longe”.
A ideia, sublinha Sandra Pina Pereira, é manter a noção de coletivo. “Às 9h30, estamos todos juntos, despertamos para aquilo que há a fazer durante o dia, perguntamos se há dúvidas, se podemos ajudar e depois fazemos as tutorias e conseguimos conciliar com o programa televisivo do Estudo em Casa, que não é obrigatório, é um reforço. É uma mancha de tempo autónomo em que podem fazer isso se quiserem. À tarde temos outro momento coletivo, às 15h30, com o balanço do que foi feito”, descreve.
Ensinar e aprender atrás do ecrã
Sobre esta metodologia de trabalho, adaptada às novas circunstâncias, Rita Rato considera que do que mais fal- ta sente Miguel, o seu filho, é do espaço fora da sala de aula, da brincadeira e do intervalo. “Sobretudo, porque está mais exposto ao computador. Já fazia muito trabalho que enviava através de e-mail mas era compensado pelo espaço físico e pelo trabalho sem ser à frente do compu- tador. Mas ainda assim é interessante porque os alunos conseguem ter espaços de partilha”, valoriza esta mãe que considera importante manterem-se grupos hetero- géneos, mesmo neste período.
De facto, a maior exposição ao computador é um dos elementos que menos agrada a professores, alunos e pais, mas inevitável numa relação que se tem de manter à distância. Sandra Pina Pereira revela que os professores estão muito mais tempo em frente ao ecrã. “Desde que acordamos até que nos deitamos estamos a responder a mensagens, a ver emails, a atender a preocupações. Isso deixa-nos permanentemente ligados e é muito cansativo, mas só assim é que conseguimos organizar os miúdos”.
Maria, do 5.º ano, afirma que as maiores diferenças são “estar a falar para um computador” e “não fazer tantos trabalhos coletivos”. Da mesma opinião é Rosa, do 6.º ano. Conta que nota bastante a diferença entre trabalhar na escola e trabalhar em casa, sobretudo no que diz respeito aos trabalhos de grupo e ao apoio de professores e colegas. Ainda assim, acha que “está a correr bem” e que está a conseguir habituar-se. “É sempre bom experimentar coisas novas, sobretudo se for para o nosso bem e para o bem de todos”, explica.
Desde o primeiro momento, A Voz do Operário procurou saber junto dos pais quais os recursos informáticos que tinham em casa e se precisavam de algum tipo de apoio nesse sentido. Sandra Pina Pereira explica que a escola conseguiu disponibilizar alguns computadores às crianças e os próprios pais procuraram saber junto dos outros se precisavam de ajuda. Este esforço de interajuda e de adaptação à realidade de cada família foi também tido em conta no momento de construir horários tendo em conta os recursos disponíveis.
Os critérios de avaliação, que terão de ser diferentes, foram outra das preocupações que foi resolvida entre professores e alunos. O facto é que o contacto e o trabalho coletivo é permanente. “Eles procuram-nos muito, mesmo sem dúvidas. Cada professor tem uma sala no Zoom e eles sabem os horários. Aparecem para conversar, para contar o que fizeram, um episódio qualquer, seja em casa ou relacionado com a escola”. Mas para além do trabalho conjunto, mantém-se o contacto entre alunos através de várias plataformas. Rita Rato confirma que tentam compensar assim a distância e Sandra Pina Pereira revela que as crianças aprenderam muito mais rapidamente do que os adultos e encontraram nestas plataformas veículos para estarem em permanente contacto.
Os próprios professores, forçados a encontrar novas formas de se organizarem, estão em permanente contacto e até se vêem mais do que na escola. “Tentamos estar muito mais alerta e muito mais em cima do acontecimento. Fazemos balanços semanais e estamos juntos quer no acolhimento quer no balanço. Quando estamos na escola temos horários diferentes e cruzamo-nos menos”, afirma a coordenadora pedagógica. Ainda assim, entende que é muito difícil adaptar plenamente aquilo que se faz numa escola como A Voz do Operário a estas circunstâncias.