Voz

Cabeleireiro

A arte das tesouras também mora n’A Voz

Para quem entra pela primeira vez no edifício d’A Voz do Operário na Graça, a reação é geralmente de espanto. A dimensão do espaço sugere de imediato a importância da instituição na história de Lisboa. Foi a 13 de fevereiro de 1883 que os trabalhadores tabaqueiros que haviam fundado o jornal A Voz do Operário decidem criar uma instituição com o mesmo nome.

Os primeiros estatutos definiam claramente os objetivos daqueles homens e daquelas mulheres: “sustentar a publicação do periódico A Voz do Operário, órgão dos manipuladores de tabaco, desligado de qualquer partido ou grupo político”, “estudar o modo de resolver o grandioso problema do trabalho, procurando por todos os meios legais melhorar as condições deste, debaixo dos pontos de vista económico, moral e higiénico”, “estabelecer escolas, gabinete de leitura, caixa económica e tudo quanto, em harmonia com a índole das sociedades desta natureza, e com as circunstâncias do cofre, possa concorrer para a instrução e bem-estar da classe trabalhadora em geral e dos sócios em particular”. Para tal, os 316 sócios da altura comprometiam-se a pagar uma quota semanal de vinte réis, quantia que retiravam dos seus humildes salários.

Eram tantas as necessidades da classe trabalhadora na época que, por solicitação dos associados, em julho de 1883, a atividade da instituição foi alargada à assistência funerária, correspondendo a um objetivo de quem se via confrontado com o exorbitante preço dos funerais. “Um jornal e uma carreta funerária, assim começa A Voz do Operário”, escreveu então Fernando Piteira Santos.

Desde então, A Voz do Operário assumiu o seu papel histórico e inscreveu na história do movimento operário e da cidade muitas páginas de grande valor. Atualmente, para além do jornal e dos diferentes espaços educativos espalhados por Lisboa, Almada, Barreiro e Moita, os serviços que a instituição presta à comunidade continuam a ter o bem-estar da classe trabalhadora como objetivo.

“Seja bem-vindo quem vier por bem”, como cantava Zeca Afonso, é apropriado para descrever as enormes portas da Graça que estão e sempre estiveram abertas desde que o edifício abriu pela primeira vez em 1932. Na entrada, há sempre alguém para receber o corropio de gente que diariamente passa pel’A Voz do Operário. Entre os muitos serviços que a instituição presta, há um que não é tão conhecido e ao qual são muitos os que recorrem todos os meses. Para quem entra no edifício e entra no primeiro corredor à direita, se entrar no Centro de Convívio, acede a um espaço que é o cabeleireiro d’A Voz do Operário.

Há mais de cinco anos à frente deste serviço, Sérgio Paixão está na instituição há pelo menos 15. Tirou um curso de cabeleireiro e é ele que agora maneja a arte das tesouras respondendo aos muitos pedidos que recebe. Atrás da cadeira e em frente ao espelho, Sérgio Paixão diz que há uma média de 60 pessoas a arranjar e a cortar o cabelo por mês. Considera que “as pessoas valorizam haver um espaço assim na instituição”. Numa zona da cidade com uma população envelhecida, e em muitos casos, com carências económicas graves, o papel social deste serviço é importante.

Ainda assim, Sérgio Paixão explica que há gente de todas as idades a cortar e a arranjar o cabelo n’A Voz do Operário. Por agora, o serviço está disponível todos os dias úteis de manhã, exceto à quarta-feira, sujeito a marcação prévia através do telefone geral da instituição ou mesmo na receção. O preço por corte para sócios é de 5 euros.

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