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Os Monstros preferidos de Alberto Manguel, apresentados em Lisboa

Alberto Manguel esteve em Lisboa no passado dia 25 de outubro para apresentar o seu mais recente trabalho – Monstros Fabulosos: Drácula; Alice; Super-Homem e outros amigos literários (ed. Tinta da China). A sessão teve lugar no Museu da Farmácia e contou com a presença do poeta e crítico Pedro Mexia e do humorista Ricardo Araújo Pereira, que introduziram a obra de Manguel.

Alberto Manguel é um dos maiores bibliófilos da atualidade. O seu percurso de vida confunde-se com a história dos seus livros, da sua biblioteca, das suas leituras. Nasceu em Buenos Aires (1948) e cresceu entre a sua terra natal e Telavive, onde o seu pai desempenhava funções diplomáticas. Esta realidade votou-o a mudanças frequentes de casa, motivo que o autor apresenta para a forte ligação íntima que então desenvolveu com os livros. Aos 16 anos, começou a trabalhar numa livraria, em Buenos Aires, e é nesse contexto que conhece Jorge Luis Borges, que já cego, lhe pede que seja seu leitor. Em 1968, sai da Argentina e vive em Espanha, França, Itália e Inglaterra, ganhando a vida como leitor e tradutor em várias editoras. Já neste período se dedica à edição de antologias em torno do universo fantástico e imaginário.

No presente trabalho, Manguel faz-nos chegar as 30 personagens fantásticas que mais o acompanharam ao longo da vida, devidamente ilustradas por ele. Num tom erudito e lúdico, o autor passeia por cada uma das figuras, adotando registos muito diversos. Como destacou Pedro Mexia, se nalguns casos parece organizar verbetes quase enciclopédicos, noutros capítulos aflora uma vertente mais ensaística em torno da natureza das personagens. Nesses momentos, a extraordinária sensibilidade leitora de Manguel é-nos integralmente oferecida, e o autor dá- nos a ler o mesmo livro que leu, em suma, partilha connosco a sua experiência íntima: “O credo de Capuchinho Vermelho é o mesmo de Thoreau: desobediência civil (…) é por Capuchinho Vermelho divergir que aparecem o bosque, o lobo, o lenhador e a aventura romântica da avó. Sem o espírito divergente de Capuchinho Vermelho, não haveria história”. Quem imaginaria semelhante relação ideológica? Facto é que depois de confrontados com esta leitura, torna-se difícil dela nos desvincularmos. É precisamente esta capacidade de desdobrar as várias camadas das histórias, quase como quem nos esfrega os olhos para melhor vermos o que sempre lá esteve de facto, que Ricardo Araújo Pereira destacou, admitindo sentir-se esmagado pela mestria do autor argentino: «há qualquer coisa no ato de ler e interpretar um texto que eu acho que é decisivo para quem procura nos livros, nas histórias uma resposta para “o que é isto de estar vivo”», acrescentou o humorista.

Em Monstros Fabulosos Manguel dedica-se ainda a um exercício quase efabulatório a partir das personagens, como se se propusesse a adivinhar o que sentiriam e o “não-escrito”, como faz no capítulo dedicado a Gertrudes (mãe de Hamlet): “Não é fácil a uma mãe admiti-lo, mas ela acha que o filho não é bom da cabeça”.

O presente trabalho parece apresentar-se como uma decorrência lógica na obra do autor para quem os homens são, afinal, “filhos e filhas de fantasmas de papel e tinta” e que afirma ter-lhe sido o mundo e tudo o que sobre ele sabe revelado através das páginas dos livros.

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