Em novembro, assinalam-se 50 anos do assassinato daquele que chegou a ser considerado o inimigo “número um” da ditadura brasileira. Carlos Marighella foi abatido numa emboscada da polícia em São Paulo na noite de 4 de novembro de 1969. Na época, o histórico comunista liderava a Ação Libertadora Nacional, organização armada opositora.

Meio século depois, com vários dos membros do governo e deputados do partido de Jair Bolsonaro a elogiarem muitos dos torturadores e militares da ditadura, o cancelamento da estreia do filme Marighella, realizado por Wagner Moura, fez reavivar as tensões na indústria audiovisual brasileira.

Em comunicado, produtora O2 Filmes explicou que a biografia do ex-deputado e guerrilheiro Carlos Marighella “não conseguiu cumprir a tempo todos os trâmites exigidos pela Ancine (Agência Nacional do Cinema)” para conseguir uma verba pública para distribuição. Tanto a distribuidora do filme, Paris Filmes, como fontes da Ancine ouvidas pelo edição brasileira do El País afirmaram que a produção, até o momento, não sofreu “pressões políticas” e que a sua trajetória transcorreu com normalidade, ainda que dificultada pela morosidade devido às turbulências administrativas da própria entidade. A verdade é que a sombra dos tempos que se vivem no Brasil deixam a suspeita de que possa ter havido mão do governo.

Em julho, Bolsonaro chegou a ponderar a extinção da agência caso não pudesse criar um “filtro de conteúdos”. Também criticou publicamente um edital destinado a canais públicos de televisão para financiamento de filmes com a temática LGBT, que, logo depois, foi suspenso pelo Ministério da Cidadania. Também veio a público que a Embaixada do Brasil em Montevideu tinha recomendado a não exibição de um filme sobre Chico Buarque num festival uruguaio que tinha apoio do governo brasileiro. Já o filho do presidente, Carlos Bolsonaro, comemorou a decisão da Ancine de negar recursos ao filme Marighella.

Na semana passada, o jornal Folha de S. Paulo noticiava que o júri que atribuiu a Chico Buarque o Prémio Camões aguarda há vários meses a assinatura do presidente Jair Bolsonaro para desbloquear a verba a atribuir ao cantor e escritor brasileiro. É uma situação inédita no maior prémio literário do mundo lusófono que se pode dever à posição crítica de Chico Buarque em relação ao presidente brasileiro. O mesmo artigo antecipava que a decisão deve ser analisada por Jair Bolsonaro que terá de pagar metade do prémio de 100 mil euros.

Por sua vez, o filme Marighella, à espera de data para estrear no Brasil, continua a ser exibido com sucesso em vários festivais de cinema por todo o mundo. Esta produção está inspirada na biografia do guerrilheiro urbano escrita pelo jornalista Mário Magalhães, que acompanha os últimos cinco anos de vida de Marighella, do golpe militar de 1964 ao seu assassinato, em 1969. O cantor Seu Jorge interpreta a figura do guerrilheiro comunista que continua a incomodar o fascismo meio século depois.

Precisamente em 1939, então dirigente do Partido Comunista Brasileiro, foi preso e torturado acabando por escrever no Presídio Especial de São Paulo um dos seus poemas mais conhecidos, Liberdade, publicado postumamente em Poemas: rondó da liberdade: “E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome”.

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