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A resistência de Sophie Scholl em “Os cinco últimos dias”

O ABC Cineclube de Lisboa exibiu no mês de Janeiro, nas sessões regulares que mantém no auditório do Liceu Camões, a segunda longa-metragem do realizador alemão Percy Adlon. A propósito dos tempos por que passamos, em que a memória parece por vezes esquecida no que concerne àquilo que foram os regimes fascistas pela Europa e no nosso país, talvez seja importante fazer alusão ao quadragésimo aniversário da produção deste filme. 

A figura central é uma rapariga de 21 anos, Sophie Scholl que chega à sede da Gestapo em Munique acusada, juntamente com o irmão Hans, de pertencer ao movimento Rosa Branca, defensor da liberdade e deposição do regime hitleriano. O filme centra-se na perspectiva de Else, outra prisioneira que aguarda julgamento, fazendo serviços de secretariado e registo de novos prisioneiros. Os testemunhos da sua voice over, objectivo e detalhados no que concerne a horas e dias em que ocorreram as coisas conduzem a narrativa, sendo esta composta, como o próprio título indica, pelos cinco últimos dias da vida da jovem Scholl, desde o momento em que entra no centro de detenção àquele em que Elsie a vê pela derradeira vez a ser levada, juntamente com o irmão e outro companheiro para a execução da pena: enforcamento por guilhotina. 

No genérico, vemos uma rapariga de mão dada e a correr com dois rapazes, saltam, divertem-se. Ela aproxima-se da câmara. Olha-nos, com essa frontalidade inquire-nos. A estas imagens voltaremos depois quando Sophie descreve um sonho recorrente que tem com os irmãos, e então percebemos a que podem corresponder. O negro posterior (recorrente para dividir as cenas e momentos ao longo do filme) leva-nos para um dos décores principais do filme (juntamente com a cela das duas mulheres), a sala de registo e chegada dos prisioneiros. É lá que está Else. A voice over refere a hora, o dia, o local onde estamos, como se estivesse a relembrar um registo diaristicamente o que se passou. Nunca a vemos a escrever, sabemos que tais testemunhos são factuais, e que deram origem a mais de uma obra cinematográfica sobre a resistência de Scholl. 

O tempo e o ritmo distendem-se; os movimentos e rotinas passam a ser os mesmos, circunscritos ao interior do centro de detenção, com pequenas progressões narrativas que ocorrem. Else é encarregada de ficar na mesma cela que a jovem. Adlon acompanha várias vezes o caminho ao longo das catacumbas que levam à cela, para revelar que a sua localização na parte mais recôndita e inacessível daquele cárcere. Pela revelação inerente ao conteúdo do título (sabemos aqui que a protagonista irá morrer…) esta obra faz-nos pensar em “Um Condenado à morte escapou-se” (1956), de Robert Bresson. Filme baseado num relato pessoal de uma fuga que aconteceu, também em 1943, de uma prisão de alta segurança durante a a ocupação nazi, em França. Todos os movimentos de resistência do protagonista Fontaine são no sentido de nunca aceitar a sua condição de prisioneiro, mas fá-lo de modo resiliente, descobrindo dia a dia, momento a momento, à medida que passa a conhecer as rotinas e espaços da prisão, formas de se evadir. Fontaine só o consegue porque na véspera da fuga que planeou Jost é colocado na sua cela, Fontaine hesita, mas escolhe confiar no jovem, que o segue na fuga. Se não tivesse feito (sublinha a voice over de Fontaine), numa determinada zona dos muros jamais teria conseguido escapar sozinho sem a ajuda do companheiro. Porque confiou, a Graça esteve com ele, é a tese bressoniana. 

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