Greve de operárias da Ramiro Leão em 1915

A “questão” começou com um texto publicado n’A Voz do Operário, na edição de 11 de Julho de 1915. Era uma carta assinada pelo “pai de uma costureira”. Referia-se às operárias de uma fábrica que laborava na Colina de Santana, em Lisboa, pertença de uma grande casa comercial do Chiado, a Ramiro Leão & C.ª.

Operárias da indústria têxtil em 1911, diante do Parlamento em luta pela redução do horário de trabalho para 8 horas

Denunciava que essas operárias tinham de pagar as linhas de costura que utilizavam no seu trabalho (80 a 90 centavos por semana). E que eram agora ameaçadas de virem a ter de pagar também uma caução para fazer face às eventuais avarias nas máquinas com que trabalham. Isto quando o salário semanal que recebiam andava apenas entre 185 e 220 centavos. Somando os prolongados horários e as más condições de trabalho, eram vidas de miséria.

O sindicato

Na edição seguinte d’A Voz (18 de Julho) respondeu Adelaide Abrantes, dirigente do sindicato (na altura dizia-se “associação de classe”) das “Costureiras e Ajuntadeiras”. Era preciso que não tivessem medo e viessem para o sindicato. Argumentava que o Sr. Ramiro Leão não trataria tão mal as suas operárias se estas estivessem organizadas, “pois que sem patrão pode-se produzir, mas o patrão é que não pode viver sem os productores”. E chamava as operárias a uma reunião na sede do sindicato, na Rua do Benformoso.

Terão acudido ao chamamento “mais de cem” operárias da Ramiro Leão & C.ª. E vieram com mais relatos da falta de respeito com que eram tratadas. Até o direito de ir à casa de banho estava em causa, pois tinham sido arrancadas as portas das retretes, retirando-lhes a privacidade mais básica.

A luta

N’A Voz de Operário de 8 de Agosto, o sindicato das costureiras anunciava que tinha entrado “em luta, em defesa das suas companheiras”. Note-se que era um sindicato dito reformista. As suas dirigentes formavam um núcleo duro da União de Mulheres Socialistas. Pretendia fazer umas sessões de propaganda pelas freguesias de Lisboa, procurando que mais operárias se esclarecessem e se unissem no sindicato.

Formou-se também uma comissão com operárias de várias fábricas para promover uma lei que limitasse o horário de trabalho a 8 horas diárias. Dessa comissão faziam parte três operárias da Ramiro Leão & C.ª. E foi então que os acontecimentos se precipitaram…

O gerente da fábrica despediu essas três operárias. A seu ver eram umas “irredutíveis revolucionárias” e “elementos de perturbação”.

Foi em protesto contra esse despedimento e em solidariedade com as suas vítimas que se deu a greve.

A greve

“No dia seguinte, antes das seis horas [da manhã], já um numeroso grupo de operárias estacionava junto dos portões” da fábrica, “afim de participar ao pessoal restante quais as suas resoluções e evitando assim que alguém fosse trabalhar”. Era a greve! E parecia um sucesso, a fábrica Ramiro Leão & C.ª parou!

Não tardou a vir a polícia. Mas ficou apenas assistindo, afinal estava diante de um protesto pacífico. Pelas dez da manhã compareceu no local um piquete de cavalaria da GNR. Mais uns 15 minutos e chegou também um corpo de infantaria da GNR. O pacífico protesto das operárias durou cerca de quatro horas e meia. Acabou varrido aos empurrões pela força militar.

Foi assim que as costureiras da Ramiro Leão & C.ª foram derrotadas. Umas entraram para a fábrica, outras fugiram, já só uma minoria voltou a reunir-se no sindicato. Aí se formaram duas comissões de operárias. Uma foi procurar o sr. Ramiro Leão mas este recusou-se a reconhecer o sindicato e a falar com a sua presidente. A outra comissão procurou o governador civil. Foi recebida pelo secretário. Este terá ficado admirado “como para uma simples questão de mulheres era preciso cavalaria, infantaria, polícia fardada”!

Em resumo, no dia seguinte a maioria das operárias voltava à fábrica e à miséria habitual.

O caminho

É de sublinhar, porém, que uma dúzia de operárias da Ramiro Leão & C.ª se demitiram em solidariedade com as suas três colegas despedidas. E abalançaram-se à ideia de formarem uma cooperativa. Desconheço até que ponto essa ideia foi avante. Mas não teria sido propriamente inédita. Durante décadas prosperou em Lisboa uma cooperativa de produção de operários chapeleiros que também surgiu assim, a partir de um conflito laboral.

A greve de operárias da Ramiro Leão & C.ª em 1915 foi derrotada. Mas fez parte das lutas de trabalhadores que abriram caminho para em 1919 ser decretada a sua grande reivindicação: uma lei que limitava o horário de trabalho a 8 horas diárias.

Merecem ser recordadas.

As três operárias despedidas foram Miquelina Furtado, Laurinda Pinheiro e Lúcia Martins.

As doze operárias que se demitiram em solidariedade com elas foram: Luísa Martins, Alice Pinto, Amália Ferreira, Alice Gonçalves, Mariana da Silva, Esperança Rosa, Celeste dos Santos, América Mourão, Argentina Mourão, Helena Veloso e Isabel Veloso Martins Alves.

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